Por: Alexandre Giesbrecht
Certa manhã, no distante mês de janeiro de 2001, durante uma excursão dos Penguins, Darius Kasparaitis chegou para treinar na America West Arena, em Phoenix, 20 minutos antes de seus companheiros de time. Ele levou um balde com cerca de cem discos até a linha azul e, sozinho no gelo, começou a treinar chutes com a força e a intensidade de uma prorrogação de jogo 7.

"Quero melhorar os meus chutes", explicou ele. "Tive algumas oportunidades ultimamente e perdi-as. Queria ter essas chances de novo." E completou: "Quero me tornar um goleador."

Parecia piada à época, mas, menos de quatro meses depois, surgiu a chance de mostrar o que tinha aprendido. Em um jogo 7. Na prorrogação. Contra ninguém menos que Dominik Hasek. E ele marcou o gol, classificando os Pens (quer ouvir o gol?). Ninguém estava rindo. A não ser, claro, de felicidade.

O meu artigo não abordaria Darius Kasparaitis. Quando Eduardo Costa decidiu escrever sobre a ida do zagueiro lituano para a Desistência, ele me perguntou por e-mail se eu iria escrever sobre isso. Diante do meu seco "não", ele se propôs a escrever sobre o tema e mandou-me sua matéria. Diante de tal pérola, descrita por Humberto Fernandes como "o melhor texto da história da revista", acabei vasculhando meus arquivos e encontrei dois textos que traduzi há muito tempo, que ilustravam a maior noite da carreira de Kasper e uma noite típica de trabalho para ele.

Material para rechear a edição sem encher lingüiça. E tudo ilustrado por fotos do nosso arquivo que mostram os mais variados momentos da carreira de um defensor que, embora não tenha exibido grande técnica ao longo de sua carreira, representou o jogo físico — e leal, na esmagadora (!) maioria das vezes — como poucos.

Acredito que a história que contei nos três primeiros parágrafos acima ilustra melhor do que qualquer imagem a força de vontade desse grande jogador. E não fiquem apenas com a minha palavra, extraída de um parágrafo de uma seção de notas que ficou na minha cabeça por quase seis anos. Sabe o que Craig Patrick, então gerente geral dos Penguins, declarou ao mandar Kasper para o Colorado, em março de 2002?

"A torcida vai sentir saudades dele porque ele dava aqueles grandes trancos, mas temos alguns jogadores agora que podem dar conta da parte física e defensiva", disse Patrick. "Estamos confiantes quanto a isso, mas, mesmo assim, vamos sentir falta do caráter de Darius."

Essa troca deu início à queda gradual do jogador. Ele nunca conseguiu jogar da mesma maneira em Denver. Nem em Nova York, seu destino como agente livre ao final da temporada de 2001-02. E as fotos ao lado dão uma dica do que pode ter acontecido. Quando se apresentou aos Avs, ele chegou com um novo corte de cabelo. No lugar das madeixas esvoaçantes dos tempos de Pittsburgh, um penteado comportado.

Tal qual na lenda de Sansão e Dalila. Só resta saber se o hóquei dele estava na camisa dos Penguins ou nos longos cabelos dourados.


Aqui vai uma teoria da conspiração interessante.

No começo dos anos 90, a NHL era um sucesso de público e seu produto no gelo não poderia estar melhor. Wayne Gretzky estava em Los Angeles. Mark Messier, em Nova York, a ponto de quebrar um jejum que ainda chegaria a 54 anos. Mario Lemieux, Steve Yzerman, Ray Bourque, Patrick Roy e vários outros chegavam a seu auge.

Hoje esse tempo parece até utópico. O hóquei não estava só desafiando a liga de basquete. Em certas cidades de grande porte, o esporte no gelo era até mais apreciado. É difícil imaginar que isso possa ter acontecido, mas aconteceu. E em um passado razoavelmente recente.

David Stern, comissário da diabólica liga do bola-ao-cesto, percebeu o problema que se postava à sua frente. E, quando a NHL estava em busca de um novo comissário, em 1993, ele percebeu a solução. Lembrando-se de "Lendas", minissérie publicada pela DC Comics em 1986, ele inspirou-se em Darkseid, que convocou o Glorioso Godfrey para abalar a credibilidade dos super-heróis na Terra, sob o pseudônimo de G. Gordon Godfrey.

Procurou, então, em sua organização, um funcionário tão incompetente que, se conseguisse abocanhar a vaga — foi necessário um pacto com o demônio para isso, de tão incompetente que era o sujeito —, a NHL seria marginalizada por uma administração incapaz e nunca mais seria uma ameaça à bola laranja. O escolhido foi um dos assistentes de Stern, o nanico Gary Bettman. O "g" de Gary não pode ser coincidência. Nem o "b" (de Belzebu).

Não pensem, ó, ignorados brasileiros, que a única decisão imbecil de Bettman foi a proibição da transmissão ao vivo de jogos pela Internet. Longe disso. Só para citar a última: a mudança do Jogo das Estrelas (sempre uma porcaria de jogo, mas que, pelo menos, serve como jogada de marketing) do fim de semana para... uma quarta-feira!

O resultado foi catastrófico: uma queda de audiência de 76% em relação ao jogo anterior. Em algum lugar ao lado de Adolf Hitler e de Boomer (o cachorro; ele era mau!), Stern está gargalhando como um vilão de filme do James Bond.

Eu precisaria escrever um livro para catalogar todas as imbecilidades dos 14 anos de Bettman no comando ("Capítulo 283: o disco fosforecente"), mas dá para citar alguns poucos números que ajudam a dar uma idéia melhor do desastre que somos obrigados a aturar: quatro (pedidos de concordata), três (mudanças de franquia), dois (locautes), um (ano perdido). E, claro, zero (QI de Bettman).

Até o novo uniforme, que eu elogiei na semana passada, causou um efeito colateral inesperado. Torcedores acima do peso, que não são poucos nos EUA, já descobriram que ficam ridículos com a nova camisa, mais acinturada. As previsões de queda de vendas começam a pipocar por aí, assim como piadas de que Bettman teve a idéia depois de George Costanza ter trocado o uniforme do New York Yankees para camisas de algodão.

"Isto é um episódio de 'Seinfeld', não é?", perguntou um torcedor em um dos blogs do jornal San Jose Mercury News. "É ele que comanda a NHL? George Costanza?!"

Parece que sim. E a mando de David Stern.
Alexandre Giesbrecht, publicitário, descobriu um belo show de Travis Meeks, que ele mesmo disponibilizou para download na Internet.
Harry Scull Jr./AP
Nos Penguins, madeixas esvoaçantes.
(10/05/2001)
David Zalubowski/AP
No Avalanche, não foi só a camisa que mudou: o cabelo também foi cortado.
(20/03/2002)
Reprodução
Esta capa saiu nos últimos momentos de glória da NHL sobre a liga de basquete.
(capa da SI de 20/06/1994)
John Byrne
G. Gordon Godfrey. Teria David Stern se inspirado em Darkseid para afundar a NHL?
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Página publicada em 31 de janeiro de 2007.