Por: Thiago Leal

Essa pode ser a primeira visão acerca de Michel Brière. É estranhamente natural do ser humano supervalorizar aqueles que morrem. Talvez movido pela saudade, quem fala de alguém que faleceu sempre enche o homenageado-póstumo de elogios, às vezes até irreais e contraditórios. Então, todo atleta que morre jovem era um craque em potencial... se for um atleta que morre no fim da carreira, ainda assim, prematuramente, foi um craque em potencial... e nisso podemos estar tratando de um desportista mediano ou até mesmo abaixo da média.

É complicado dizer alguma coisa a respeito de Brière... sua carreira foi muito curta, em especial na NHL, e qualquer constatação a respeito de seu potencial não passa de mero achismo. Ainda assim, tomando como referência sua carreira enquanto juvenil e sua primeira e única carreira na NHL, é possível notar uma centelha de potencial num menino de 20 anos que em alguma coisa lembrava jovens como Sidney Crosby, Evgeni Malkin e Alexander Ovechkin, à altura dos anos 60.

O que se pode dizer sobre Brière deve ser influenciado principalmente por sua carreira juvenil. Nascido na cidade de Malartic, na província de Quebec, Brière protagonizou duas temporadas sensacionais pelo Shawinigan Bruins, do celeiro de craques QJHL (Liga Juvenil de Quebec). Em 50 partidas pela temporada 1967-68, Brière chegou à marca de 159 pontos, sendo 54 gols e 105 assistências. Na pós-temporada foram 12 jogos, 11 gols, 16 assistências e um total de 27 pontos. Espantosamente, o atacante conseguiu superar seus números na temporada seguinte e assinalou 161 pontos com 75 gols e 86 assistências. Isso foi uma amostra de Brière em números pela QJHL. O atacante participou dos dois Jogos das Estrelas da Liga, sendo no segundo time de 1968 e primeiro time de 1969.

Além das estatísticas, o estilo de jogo de Brière era tido por "mágico" por quem o assistiu na cidade de Shawinigan. Pudera. Suas características o tornavam um jogador completo dentro das bordas: seu domínio do disco era perfeito, detinha precisão impressionante no chute e no passe (o que pode ser confirmado pelo seu alto índice de gols e assistências), habilidade em ganhar face-offs, além de patinar e disputar o disco nas bordas com a força e gana de um intimidador.

As proezas de Brière à frente do Shawinigan Bruins empolgavam a torcida nos jogos da QJHL de uma forma que só foi vista novamente quando um jovem chamado Mario Lemieux atuou pelo Laval Voisins 15 anos mais tarde. Seu caráter era elogiado não só no gelo, mas também fora dele, uma vez que um ídolo carismático em sua vida social, como, por exemplo, Patrick Roy, conquista o carinho e a empatia dos torcedores de forma imediata.

Em 1969, numa NHL com apenas 12 equipes e um recrutamento bem reduzido, a seleção de Brière na terceira rodada pelo Pittsburgh Penguins o colocou como a 26ª escolha geral, número de primeira rodada nos dias atuais. No mesmo ano o atacante estreou na NHL junto com a franquia de expansão que o recrutou.

Brière atendeu à expectativa em sua primeira temporada. Nunca é fácil a transição da Liga Juvenil para a Liga Profissional logo de cara, mas com a personalidade forte que lhe era característica, o jovem franco-canadense desempenhou bem seu papel, marcando 44 pontos em 76 jogos, sendo 12 gols e 32 assistências. Os números de Brière ajudaram os Pens a disputarem pela primeira vez a pós-temporada, onde varreu o Oakland Seals na primeira rodada e caiu diante do St. Louis Blues por 4-2 nas semi-finais. Brière passou por esse período com oito pontos, cinco gols e três assistências. Foi dele o gol que fechou a série sobre os Seals.

Ao final de seu papel, Brière foi apontado pela direção da franquia de Pittsburgh como o melhor calouro da equipe na temporada e seu desempenho foi comparado a de um outro estreante, a futura lenda Bobby Clarke, do rival Phidalelphia Flyers. Ou seja... dá para imaginar boas previsões para a carreira do jovem Michel. O Troféu Calder daquele ano não foi para Brière nem Clarke, mas sim para o goleiro Tony Esposito, que já havia disputado 13 partidas na temporada anterior e começava a trilhar mais uma carreira lendária na Liga. De qualquer forma, a temporada já estava mais que ganha para um satisfeito Michel Brière e para direção e torcida dos Pens.

O megasucesso que se projetava para o futuro de Brière foi interrompido de forma tágica nas férias daquela temporada que coroou o Boston Bruins como campeão. Nas proximidades de sua cidade natal, Brière cuidava dos preparativos de seu casamento, a ser realizado antes do início da temporada 1970-71. Dirigindo de volta para Malartic, Brière envolveu-se num acidente automotivo violento, onde foi jogado para fora do veículo. Dois amigos acompanhavam o jogador no automóvel e sofreram fraturas múltiplas. Já o Penguin foi levado às pressas para o hospital de Val D'Or, onde nova tragédia aconteceu: a ambulância que o transportava atropelou e matou o adolescente Raymond Perreault, também natural de Malartic. Brière chegou ao hospital em coma, estado pelo qual permaneceu por sete semanas. Ao acordar do estado de dormência, Brière passou a sofrer de concussões, se submeteu a quatro cirurgias no período de 11 meses, até não resistir e falecer.

Num gesto humanitário, Donald Parsons, dono dos Pens à época, garantiu seguro de vida à sua família, e seu número, #21, foi aposentado oficialmente pelo clube — gesto que só seria repetido 37 anos depois, com a camisa #66, na primeira aposentadoria de Mario Lemieux.

A carreira interrompida e o sucesso em potencial que Brière certamente teria pode ser resumida na descrição de um gol inesquecível para Red Kelly, treinador dos Pens, num jogo contra os Blues: "Michel vinha pela linha azul e traçou um defensor, que foi na dele e se dirigiu à sua direita. Jacques Plante foi enganado pelo drible e Michel só precisou cruzar a linha azul e pôr o disco no gol aberto. Ele era assim, ilusório no gelo". Alguém aí lembrou de Mario Lemieux?

Thiago Leal parabeniza o torcedor do Pittsburgh Penguins Luiz Felipe Pedone por seus 20 anos de idade recém-completados.
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Michel Brière disputando o disco como de costume: um jogador completo que aliava habilidade, força e garra.
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Página publicada em 5 de dezembro de 2007.