Por: Alexandre Giesbrecht

Escrevi na semana passada sobre um jogo com dois gols no último minuto. Parecia muito, mas, perto do que vi nesta terça-feira, agora parece quase um acontecimento corriqueiro. Em uma série que é, sem a menor dúvida, a mais equilibrada até aqui nesta primeira fase, um final tão emocionante serviu para colocá-la merecidamente sob os holofotes. Empatavam Devils e Hurricanes por 3-3 o jogo 4, e o cronômetro aproximava-se inexoravelmente do zero. O time de Raleigh arriscou um último ataque, mas a defesa dos Devils neutralizou a jogada no lado direito do gol.

Como veremos a seguir, se o defensor Paul Martin tivesse ficado com o disco por mais um terço de segundo antes de rifá-lo, o vencedor da partida só sairia na prorrogação. É claro que não passava pela cabeça de ninguém no estádio que algo diferente disso fosse acontecer: os míseros cinco segundos que faltavam nada mais eram que uma mera formalidade. Duvido que mesmo Jussi Jokinen imaginasse que ainda havia como ganhar o jogo no tempo normal.

O fato é que Dennis Saidenberg chutou o disco a exato 1,1 segundo do fim e Jokinen desviou-o décimos de segundo depois para dentro do gol de Martin Brodeur. A olho nu, é impossível determinar se o disco cruzou a linha antes ou depois de a sirene anunciar o fim do jogo. Se fosse no nosso bom e velho — principalmente velho — futebol, valeria a decisão do juiz, obviamente baseada em intuição, para quem acredita nessas coisas, ou em um chute, daqueles bem diferentes do que saiu do taco de Saidenberg. A discussão seria interminável, da mesma maneira que se fala até hoje do gol de Zico contra a Suécia na Copa do Mundo de 1978, anulado pelo árbitro por ter sido marcado supostamente após o apito final.

Mas na NHL a falibilidade humana tem auxílio tecnológico. O juiz até acertou ao validar o gol de Jokinen ainda no gelo, mas só teve a confirmação desse acerto depois que a liga deu seu aval. Foi então que tomamos conhecimento de um número que vai ficar marcado na história dos Hurricanes, nem que seja num rodapé da seção de curiosidades: 0,3. Era esse o tempo que faltava para o fim do jogo quando a linha de gol foi devidamente violada pelo disco. Sim, este tempo está marcado em segundos. Ao contrário do que se tem divulgado por aí, não foi a 0,2 segundo do fim, mas a 0,3, conforme a foto ao lado prova.

Uns dirão que houve interferência de Jokinen em Brodeur, o que não só teria invalidado o gol como ainda teria dado aos Devils uma vantagem numérica durante os dois primeiros minutos da eventual prorrogação. O problema é que o lance ocorreu fora da área de Brodeur, que ainda por cima deu início ao contato com o adversário de costas. Não fossem essas duas condições e seria uma penalidade incontestável, o que causaria uma grande saia-justa para a NHL, já que, ao menos em teoria, a análise pelos replays não deveria envolver penalidades. O que uma liga famosa por suas gafes faria é uma incógnita que jamais será elucidada, mas não tenha dúvidas de que o comissário Gary Bettman certamente está respirando aliviado: como Brodeur afastou-se de sua meta e deu início ao contato, este foi válido, e a possível gafe ficou restrita apenas ao pouco exato campo das conjecturas.

Estranha foi a posição do goleiro, que de início praticamente não demonstrou reação alguma, como se conformado pelo lance de sorte — alguém aí quer defender a tese de que foi um lance de técnica? —, não como se estivesse a esperar por uma marcação de penalidade. Foi o árbitro Eric Furlatt confirmar por telefone a marcação do gol e Brodeur partir para cima dele, algo raro de se ver. Os dois discutiram por alguns instantes, em francês, o juiz retirou-se e Brodeur virou-se para ir embora. E foi, mas não sem antes jogar seu taco com violência contra as bordas por duas vezes.

De toda forma, como bem lembrou o técnico dos Devils, Brent Sutter, o que aconteceu no antepenúltimo tique do relógio digital não pode apagar o que o seu time fez nos vinto minutos anteriores, que é justamente o que deixa esta série tão intrigante e imprevisível. No meu pitaco sobre o confronto, considerei que o embalo dos Canes seria determinante para o desfecho em seu favor, mas o embalo foi contido por um muro intransponível: Brodeur, justamente o motivo que dei para os Devils se darem bem. Nada do que aconteceu desde então soa como surpresa para quem vinha acompanhando ambas as equipes: os Hurricanes recuperaram-se, ganharam o jogo 2 apesar de boa atuação de Brodeur, perderam o jogo 3 e contaram com o gol milagroso de Jokinen para empatar a série em 2-2, na primeira partida em que marcaram mais de dois gols nestes playoffs.

Esse gol tirou o foco do restante da partida, que teve todos os ingredientes de um grande jogo de playoffs, com os Canes abrindo uma vantagem de 3-0 que parecia bem confortável. A menos de 30 segundos do fim do segundo período — algo que agora soa como se fosse uma eternidade — Brian Gionta descontou para os Devils, que dominaram o terceiro período e empataram em 3-3 antes mesmo da metade da etapa. Seria um jogo de ninguém no tempo extra, mas isso não importa muito, porque esta série ainda não é de ninguém.


Que espetáculo o programa pós-rodada que a NHL tem exibido em seu site durante os playoffs! Tudo bem que repetem os melhores momentos de cada jogo à exaustão, mas é delicioso acompanhar tal programa tal qual fosse um daqueles de rádio no fim das tardes de domingo por aqui, mas com imagens. Além dos melhores momentos, há notícias e transmissão de jogos da Costa Oeste ainda em andamento. Os comerciais são aqueles famosos do "estilo 1406", mas não duram muito e apenas um é mostrado a cada intervalo. Uma grande iniciativa que compensa em parte a decisão desastrada de cobrar uma pequena fábula pela transmissão ao vivo dos jogos em uma época em que as transmissões pela TV (aberta ou a cabo) são extremamente limitadas em opção e alcance e os streams clandestinos brotam como se fosse de esporos.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, escreveu boa parte dessa coluna em um caderno no ônibus.
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Página publicada em 22 de abril de 2009.