Por: Humberto Fernandes

Os playoffs não são apenas o auge da temporada do hóquei no gelo. São, também, o melhor momento para escrever sobre a NHL, quando as equipes se enfrentam em séries de sete jogos, quando cada lance ajuda a contar um pouco da história dos confrontos. Dezesseis times, oito histórias para contar.

Boston Bruins x Montreal Canadiens
A série começou a ser decidida na segunda metade do primeiro período do jogo 1. Quem disse que Carey Price não é o novo Patrick Roy? O goleiro dos Canadiens pensou ter defendido o disco, ergueu sua luva, mas o pequenino de borracha escapuliu — ou então nunca esteve em sua mão — e Phil Kessel abriu o placar para os Bruins. É a melhor maneira de quebrar a confiança de um goleiro. Menos de dois minutos depois, os Bruins venciam por 2-0.

Os Habs buscaram o empate, em um golaço de Alexei Kovalev no final do segundo período, mas a equipe jogou fora a partida quando Josh Gorges cometeu uma penalidade estúpida (empurrão) quando faltavam menos de dez minutos para o fim do jogo. Em vantagem numérica, Zdeno Chara decidiu o jogo.

No final os Canadiens tentaram desequilibrar os Bruins, estabelecendo o clima para o jogo 2 através da violência. Os Bruins responderam no braço. Quem tem Milan Lucic, em qualquer disputa de trancos ou empurrões, sempre levará vantagem.

O jogo 2 começou como os Canadiens queriam, com a rivalidade sendo vivenciada em cada lance, com trancos e princípios de brigas, aflorando o ódio recíproco de inimigos que se conhecem há muito tempo e que se enfrentam pela 26.ª vez em playoffs em séries de 7 jogos — recorde absoluto da NHL. Isso não interferiu no ímpeto ofensivo dos Bruins, que continuaram disparando o disco para cima de Price, conhecedores das fraquezas do goleiro.

O Boston vencia por 3-1 quando os Habs começaram a conceder vantagens numéricas para os donos da casa. Se já era notável o desequilíbrio em situações normais, em 5-contra-4 ficou muito mais fácil para os Bruins.

Price sequer retornou para o terceiro período, amargando sua quinta derrota consecutiva em playoffs, com 20 gols sofridos neste período.

Faltando menos de cinco minutos para o fim, Lucic acertou a cabeça de Maxim Lapierre com o taco e foi suspenso por um jogo por justa causa. A NHL estabeleceu um limite entre jogo duro e violência.

A série mudou-se para Montreal para o jogo 3 e os canadenses deram um péssimo exemplo ao vaiar a execução do hino dos Estados Unidos. Os americanos imaginavam que com a eleição de Barack Obama esse tipo de desrespeito estaria superado. Estavam enganados.

O outro lado dos torcedores também se fez presente, com muito barulho e apoio ao time. Os Habs abriram o placar pela primeira vez na série, mas virar jogos nunca foi problema para os Bruins, que empataram ainda no primeiro período e viraram no começo do segundo. Com o jogo novamente empatado, Michael Ryder marcou o gol da vitória. Ryder era jogador dos Canadiens na temporada passada, onde foi barrado em oito dos 12 jogos do time nos playoffs. Bela vingança.

Os três jogos da série demonstraram que os Bruins têm o melhor goleiro, os melhores jogadores e o melhor técnico deste confronto. Os Habs sentem a ausência de jogadores fundamentais, como Andrei Markov, mas nem mesmo com o defensor no gelo a história seria diferente. O Boston é melhor em tudo.


Washington Capitals x New York Rangers
Um pouco de surpresa nesta série. Quem apostou nos Rangers não esperava que a equipe venceria os dois jogos em Washington.

São vários os destaques dos Rangers, mas a série é contada através de Sean Avery.

No jogo 1, com os Capitals liderando por 1-0, Avery foi essencial para o gol de empate, ao derrubar Mike Green com sutileza ímpar, permitindo que Scott Gomez ficasse sem marcação para finalizar. Ainda no segundo período, foi ele quem sofreu a penalidade por taco alto que levou ao segundo gol, desta vez em vantagem numérica.

Com Gomez inspirado, liderando o time, os Rangers não sentiram a falta de Chris Drury. Henrik Lundqvist fez a sua parte, defendendo os 13 chutes de Alexander Ovechkin. Do outro lado, Jose Theodore aceitou tudo que foi em direção ao gol.

Os Capitals até empataram o jogo em 3-3 no começo do terceiro período, mas Brandon Dubinsky marcou um belo gol com direito a caneta em Jeff Schultz.

Avery fez mais do mesmo, atacando Theodore com uma tacada, recebendo de volta um empurrão do goleiro e uma trombada de Sergei Fedorov. Seu objetivo foi cumprido com sucesso: perturbar a concentração dos donos da casa. Nos playoffs vale tudo.

Para o jogo 2 o treinador do Washington, Bruce Boudreau, apostou em Simeon Varlamov no gol. O novato disputou apenas cinco jogos como titular na temporada regular, mas Boudreau entendeu que com Theodore a derrota seria certa.

Os Capitals novamente dominaram a partida, mas os Rangers se especializaram em bloquear chutes. Foram 29 neste jogo, superando a marca do jogo 1 (21). Do outro lado, logo no segundo chute ao gol os Rangers abriram o placar. Cortesia de Green, que estava fora de posição e permitiu o contra-ataque do adversário.

Varlamov defendeu todos os outros chutes, mas Lundqvist foi melhor, não sofrendo nenhum gol. Ovechkin acertou o travessão no terceiro período, chegando a 19 chutes em dois jogos sem achar a rede.

Avery deu as boas-vindas ao goleiro, disparando suas abobrinhas ao pé do ouvido, porém, de acordo com Boudreau, escolheu o alvo errado: o russo de 20 anos não entende nada de inglês.

Antes do jogo 3 Ovechkin agiu como Avery, porém com muito mais classe. O camisa 8 assistia ao treino do adversário no banco de reservas, até que alguém solicitou que ele se retirasse. Coincidência ou não, o primeiro período terminou com liderança do Washington por 2-0.

No segundo período, Ovechkin fez duas grandes jogadas defensivas, impedindo um gol quase certo dos Rangers na primeira vez e usando o KERS na segunda para alcançar um adversário que patinava sozinho no contra-ataque.

Com a derrota certa, Avery aprontou das suas para mexer com o impecável Varlamov, autor de 33 defesas. Após desferir um soco na máscara do goleiro, o polêmico atacante foi expulso.

Três equipes na história da NHL perderam os jogos 1 e 2 em casa e venceram o jogo 3 na estrada com shutout. Nas três ocasiões, esse time perdeu. Os Capitals têm um pequeno tabu para enfrentar.


New Jersey Devils x Carolina Hurricanes
Na série dos goleiros, foi Martin Brodeur quem errou primeiro, mas foi o frango de Cam Ward que abriu o placar do jogo 1.

Disciplinados taticamente, os Devils marcaram mais dois gols que nasceram de jogadas em que seus atacantes marcavam a saída de disco dos defensores dos Hurricanes. Sendo agressivos e roubando discos o New Jersey venceu o jogo.

O Carolina chutou apenas 19 vezes, o menor número da equipe em toda a temporada.

No segundo jogo as equipes trocaram gols em vantagem numérica no primeiro período. No meio do jogo, o capitão Jamie Langenbrunner sentiu a virilha e abandonou a partida. Os Devils perderam o goleador da equipe, ao lado de Zach Parise, com 24 gols em 2009.

Na prorrogação, Niclas Havelid atrapalhou a visão de Martin Brodeur e o chute de Tim Gleason decretou o empate na série.

Os Hurricanes não disputavam uma partida de playoffs na Carolina desde a conquista da Copa Stanley em 2006. Pela terceira vez no confronto, os Devils abriram o placar.

Com o jogo empatado, faltando 15 segundos para o fim do primeiro período, Brendan Shanahan repetiu a fórmula que levou o time a vencer o jogo 1, desferindo um tranco no ataque. O disco se perdeu até Brian Gionta encontrá-lo e marcar um golaço.

Brodeur impediu a virada dos Canes no terceiro período, forçando a prorrogação, a segunda consecutiva na série. Má notícia para os Devils, que acumulavam cinco derrotas em cinco jogos decididos no tempo extra contra os Hurricanes em playoffs. Desta vez o final foi diferente, com gol de Travis Zajac antes dos cinco minutos.

Precisando da vitória para não perder a série de vez, o Carolina massacrou o New Jersey. O segundo gol do time, marcado antes da metade do primeiro período, fez Brodeur reclamar com o árbitro no intervalo. O goleiro recordista de vitórias na história do hóquei sequer imaginava que o pior ainda estava por vir.

Os Canes abriram 3-0 no placar, apenas para assistir ao poder de reação dos Devils, que empataram o jogo em menos de dez minutos entre o segundo e o terceiro período.

E então o inusitado aconteceu. Com o disco no ataque nos últimos segundos de jogo, Dennis Seidenberg chutou da linha azul, Jussi Jokinen desviou e marcou o gol da vitória. O lance foi revisto e as imagens confirmaram que o disco cruzou a linha quando faltavam 0,2 segundos para o fim do jogo. Brodeur se enfureceu com a não marcação de uma suposta interferência no lance e discutiu asperamente com os árbitros. Não satisfeito, bateu com o taco nas bordas uma vez, antes de arremessá-lo em definitivo contra a parede.

O histórico gol de Jokinen empatou a série em 2-2. Agora será uma melhor de três jogos.


Pittsburgh Penguins x Philadelphia Flyers
O clássico da Pensilvânia deveria ser obrigatório em todos os playoffs. Penguins e Flyers protagonizam jogos bastante disputados, de muita intensidade e belos trancos. Com os jogadores que têm, mostram aos fãs todos os ingredientes do hóquei no gelo.

Desde o primeiro jogo o clima é quente. Jogando em casa, os Penguins se impuseram fisicamente, desferindo mais trancos e incomodando mais.

Com o jogo perdido, os Flyers abriram a caixa de ferramentas, punindo os adversários. Daniel Carcillo deu um soco em Maxime Talbot e foi suspenso por um jogo por justa causa. Bill Guerin brigou com Braydon Coburn em resposta.

Ao fim do jogo, o técnico dos Flyers, John Stevens, questionou a postura do time, principalmente de Scott Hartnell, que cometeu três penalidades de dois minutos e uma de dez minutos, concedendo vantagens numéricas para os Penguins.

Hartnell respondeu no jogo 2, quando abriu o placar para os Flyers. Em 25 jogos, foi apenas a quinta vez que a equipe saiu na frente — quem corre atrás geralmente nunca alcança quem está na frente. Ele também protagonizou um dos lances da partida ao impedir um ataque dos Penguins atirando o seu taco no disco. Os árbitros nada marcaram quando deveriam ter apontado pênalti para o Pittsburgh.

O gol de Hartnell foi o único da partida até o segundo período, quando o treinador Dan Bylsma reuniu Sidney Crosby e Evgeni Malkin para buscar o empate, conquistado em gol de Guerin.

Os Flyers venciam por 2-1 quando, faltando menos de 9 minutos para o fim do jogo, aconteceu o lance da série. Em contra-ataque dos Flyers de dois contra um, o goleiro Marc-Andre Fleury defendeu o primeiro chute e o rebote ficou para Jeff Carter. Sozinho ao lado do gol, o atacante chutou no vazio e Fleury defendeu com o pé. Se Carter tivesse marcado aquele gol, a história da série seria outra. Os Flyers teriam empatado o confronto em Pittsburgh. Mas isso não aconteceu.

Malkin empatou o jogo nos minutos finais do terceiro período e o jogo foi para a prorrogação. No tempo extra, os Flyers tiveram 1:29 de vantagem numérica, devidamente desperdiçada. Então Mike Knuble foi penalizado por um empurrão inútil e pouco depois Claude Giroux deu uma tacada que quebrou o taco de um adversário. Com dois homens a mais no gelo, o reenergizado Guerin marcou seu segundo gol no jogo, o primeiro na prorrogação nos playoffs em toda a sua longa carreira. Para Guerin, que começou a temporada no New York Islanders, estar nos playoffs é uma dádiva, ainda mais ao lado de Crosby, Malkin e com chances reais de conquistar a Copa Stanley.

A mudança de ambiente fez bem para os Flyers no jogo 3. O que se viu foi um mar laranja nas dependências da arena. Crosby declarou certa vez que o pior lugar para jogar é justamente na Philadelphia. A torcida local justificou a fama, com cartazes "Sidney: proibido mergulhar" e fotos do capitão dos Penguins chorando.

Os Flyers fizeram 2-0 com pouco mais de cinco minutos de jogo. Pouco depois, Chris Kunitz acertou Kimmo Timonen com o tranco número um dos playoffs até o momento. Aliás, trancos não faltaram nesta série. Nos dois primeiros jogos, os Penguins desferiram 80, contra 66 dos Flyers. No jogo 3, o troco, com 29 do Philadelphia e 18 dos visitantes.

Entre o fim do primeiro período (19:48) e o começo do segundo (0:13), o Pittsburgh empatou o jogo. Os Flyers então assumiram o controle do jogo e atacaram o gol de Fleury até o 3-2, minutos depois, e o primeiro gol em desvantagem numérica dos playoffs, marcado por Simon Gagne, abrindo dois gols de vantagem.

De volta ao confronto, os Flyers teriam que vencer o jogo 4 para reduzir a série a uma melhor de três partidas. No entanto, havia Fleury no caminho. O goleiro esteve perfeito, defendendo 45 chutes, alguns de pé, outros sentado, caindo, caído, deitado, com a luva, com o pé, com o taco, de mão direita, de mão esquerda... Fleury roubou o jogo para os Penguins.

Se os Flyers não aproveitaram as várias chances, os Penguins não desperdiçaram as suas. O segundo período terminou com 2-0 para os líderes da série, que suportaram a pressão nos 20 minutos finais e ficaram a um jogo da classificação.

Humberto Fernandes esteve em Vitória-ES no fim de semana.

AP
O Boston Bruins persegue aquele desenho pintado nas bordas...
(20/04/2009)

Bruce Bennett/Getty Images
Para o bem ou para o mal, Sean Avery está sempre presente.
(20/04/2009)

Grant Halverson/Getty Images
O recordista de vitórias compete pelo título de recordista de reclamações.
(21/04/2009)

Jim McIsaac/Getty Images
Marc-Andre Fleury não se intimidou no mar laranja da Philadelphia.
(19/04/2009)

Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-09 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 22 de abril de 2009.