Por: Alessander Laurentino

Até os Jogos Olímpicos de Vancouver 2010, o Canadá jamais havia conquistado uma medalha de ouro em Olimpíadas realizadas no próprio Canadá. Não conseguiram nada nas Olimpíadas de 1976 em Montreal, tampouco venceram alguma coisa em Calgary no inverno de 1988.

Devido a esse retrospecto negativo, o comitê olímpico canadense criou e apoiou uma campanha bastante agressiva de incentivo para os seus atletas. Deu certo. Na verdade, deu certo até demais! Nos jogos de Vancouver o Canadá conquistou nada menos do que 14 medalhas de ouro, estabelecendo o novo recorde de medalhas de ouro em uma única edição dos Jogos Olímpicos de inverno.

Mas, sem medo de errar, a medalha mais importante de todas foi a última, a medalha de ouro no hóquei no gelo masculino, conquistada no encerramento da competição. Sem essa medalha, certamente a sensação no país seria a de que eles teriam fracassado nas Olimpíadas.

Desde que saiu oficialmente que os jogos de 2010 seriam em Vancouver que não se pensava em outra coisa, a não ser a medalha de ouro no hóquei masculino. Afinal de contas, era uma questão de honra, de orgulho próprio conquistar o ouro no esporte nacional, jogando em casa.

Antes dos Jogos, a polêmica girava em torno de quem seriam os convocados para o Time do Canadá. Com um gerente campeão e experiente no quesito pressão x conquistas em Steve Yzerman, os canadenses sabiam que teriam um bom time. Ah, claro que também ajuda muito quando a maior parte dos principais jogadores do mundo são do seu país.

Relação de convocados definida, outra polêmica. Uns questionavam como jogadores como Vincent Lecavalier poderiam ficar de fora, enquanto outros eram questionados do por que de sua convocação. Os canadenses adoram uma polêmica quando se trata de hóquei e o seu time nacional. A maior de todas era saber quem seria o goleiro titular. A maioria se dividia entre Martin Brodeur, campeão olímpico, vencedor de Copas Stanley e recordista de vitórias na NHL. Do outro lado estavam os defensores de Roberto Luongo, excelente goleiro mas que ainda faltava conquistar alguma coisa realmente importante como titular.

Na fase de grupos, o Canadá passeou na abertura contra a Noruega, depois passou um sufoco para superar a Suíça na prorrogação e acabou sucumbindo à boa atuação da equipe americana. O resultado não poderia ser outro: pipocaram matérias, comentários e reportagens mostrando o por que do fim do mundo estar próximo. Quer dizer, por que eles não venceriam o ouro jogando em casa.

Roupa suja lavada, e o Canadá precisava vencer a fraca Alemanha para ter o direito de disputar as quartas-de-final da competição. Só que ninguém esperava que Canadá e Rússia pudessem se enfrentar logo nas quartas, quando todo mundo apontava que essa seria a final da competição. Vencer a Alemanha foi tranqüilo, e a novidade foi que Roberto Luongo ganhou a posição de goleiro titular naquela partida, principalmente pela fraca atuação de Brodeur contra os americanos.

Mantido no gol contra a Rússia, Luongo conquistou a titularidade da posição e lá se manteve até o final da competição. A partida contra a Rússia foi extremamente atípica, com o time da casa destruindo os russos no primeiro período e a grande estrela russa, Alex Ovechkin, totalmente apagado e sem brilho. O curioso é que seu arquirrival, Sidney Crosby, também passava totalmente apagado nas Olimpíadas.

Depois da Rússia, vieram os eslovacos na semifinal, enquanto do outro lado os americanos tinham um caminho bem mais tranqüilo, atropelando a pobre Finlândia e chegando à final da competição.

A partida contra a Eslováquia começou dando a impressão que a vitória também seria tranquila, mas no terceiro período o Canadá tomou dois gols inesperados e o que era 3 a 0 virou um apertado 3 a 2, com direito a um estresse final quando Pavol Demitra parecia que empataria a partida, até que Luongo fez a maior defesa dos Jogos, garantindo um lugar para o selecionado nacional do Canadá na grande final do ouro Olímpico.

Pronto, estava armado o palco da final, com todos os elementos que qualquer grande final do esporte precisa. Uma sensação de revanche, vingança, orgulho ferido, rivalidade de décadas e os dois melhores times de fato durante todo o campeonato frente a frente, com o detalhe que um deles jogava em casa.

Para colocar um pouco mais de pimenta na decisão os americanos tinham declarado depois da vitória anterior que detestavam o Canadá, que era a melhor vitória deles quando venciam os rivais do norte. É claro, quem não gosta de vencer os melhores do mundo?

Patrick Kane ainda declarou na véspera da partida que preferia Luongo no gol porque ele já tinha o enfrentado em partidas decisivas e tinha vencido (se referindo ao confronto dos seus times na NHL nos últimos playoffs, Chicago e Vancouver). Luongo não respondeu.

Em pleno domingo, as ruas do Canadá estavam desertas à tarde, quando o país parou para acompanhar a partida histórica. Na verdade, dados revelaram nessa segunda-feira que a partida final entre Canadá e EUA teve a maior audiência da história da televisão do Canadá, com cerca de 80% da população do país assistindo a pelo menos uma parte do jogo, enquanto pouco mais da metade da população viu a partida inteira.

Jogando frente a sua torcida no GM Place em Vancouver, renomeado Canadá Hockey Place para as Olimpíadas, o Canadá precisava vencer e sabia que tinha um adversário duro pela frente. Com muita vontade e um pouco de sorte, os canadenses saíram na frente e abriram 2 a 0 na partida. Mas como qualquer final que se preze, não seria fácil dessa forma. Os americanos reagiram e encurtaram a diferença para 2 a 1, e quando o país inteiro, a nação inteira estava de pé, contando os segundos finais como se fosse uma eternidade, com o coração batendo a mais de mil, lá vem a ducha fria, um verdadeiro balde de gelo. Os americanos empatavam a partida faltando míseros 24,4 segundos para o final da partida.

Silêncio. Cabeças baixas. Incredulidade. Como eles poderiam fazer isso conosco? Por que precisavam empatar a partida e tirar o nosso gostinho da vitória? Malditos americanos! Era a sensação que se espalhava no país. Na verdade, a raiva era, em parte, explicada pelo fato de reconhecer no time americano um adversário de valor e que realmente poderia jogar água no chope canadense.

Criticado durante todo o campeonato por passar apagado e despercebido, Crosby ainda desperdiçara um breakaway parcial faltando três minutos para o final da partida, e aquele poderia ter sido o lance que selava o ouro. Mas não foi. Quis a vida e o destino que a partida fosse para a prorrogação.

E são nos momentos mais decisivos que os verdadeiros heróis aparecem. Também é nesse tipo de momento que aqueles que têm estrela dão as caras. E o Canadá venceu, sim, venceu com um gol dele mesmo, Sidney Crosby. Crosby, o garoto, o ídolo, o criticado, o sumido, o talentoso, o incrível, o campeão. Simplesmente demais. No momento do gol, não foi apenas o Canadá Hockey Place que explodiu, foi todo um país, toda uma nação, todo um povo que amargava a vergonha das Olimpíadas de 2006, e que agora poderia gritar novamente "somos campeões, os melhores do mundo!"

Não existem palavras suficientes para descrever a sensação de ser campeão jogando em casa no esporte criado no seu país. Sabendo a qualidade dos seus jogadores e a expectativa da sua torcida, qualquer outro resultado teria sido considerado um desastre. A prata teria sido vergonhosa. Nada mais importava, tinha que ser ouro. E precisava ser do jeito que foi, com suor, lágrimas e muita superação.

Como não se emocionar sabendo que quase 33 milhões de pessoas estavam cantando o hino nacional naquela hora, quando seus heróis estampavam felizes da vida o ouro suado da conquista no peito? O ouro da vitória, do orgulho e da certeza da supremacia, de saber que você é o melhor do mundo. E não apenas porque seu time ganhou em um esporte, mas sabendo que seu país é realmente de ponta e não usa uma vitória no esporte como se estivesse tentando apagar pobreza, problemas sociais, violência etc., como fazem alguns países da outra América, a do Sul.

Com o país aos seus pés, Crosby conquistava em apenas oito meses as glórias máximas que o seu esporte permite: Copa Stanley e Ouro Olímpico, jogando em casa. Sim, jogando na casa dele, na casa do hóquei, onde o esporte realmente é levado a sério e onde ele realmente importa. O resto, bem, é apenas isso: o resto. Afinal de contas, o verdadeiro campeão voltou!

Alessander Laurentino há muito tempo não vibrava tanto com um título.
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Página publicada em 5 de março de 2010.