Por: Humberto Fernandes

Os jogos de hóquei no gelo nas Olimpíadas de Vancouver foram fascinantes, bem melhores do que aqueles a que estamos acostumados a assistir na NHL.

Os motivos são vários. Primeiro, a maior concentração de jogadores talentosos nas seleções. Na NHL, o talento é diluído por 30 times, o que faz com que o nível geral seja baixo. As seleções nacionais são muito superiores às equipes da NHL e nem mesmo os melhores times da atualidade — San Jose Sharks, Chicago Blackhawks ou Washington Capitals — ameaçariam as melhores seleções.

Nas Olimpíadas, não há espaço para intimidadores, portanto, nada de brigas desnecessárias. Uma benção.

No gelo, não há o trapézio atrás da rede e o icing é automático.

São boas ideias para a NHL discutir. É hora de aproveitar o sucesso Olímpico e trazer mais fãs para o esporte.


A jogada das Olimpíadas
No jogo entre Rússia x República Tcheca, na primeira fase, o encontro entre Alexander Ovechkin e Jaromir Jagr produziu a jogada da competição.

E foi literalmente um grande encontro.

Jagr patinava de cabeça baixa no centro do gelo quando foi esmagado por Ovechkin. O tranco devolveu a posse do disco aos russos e permitiu um contra-ataque de 2-contra-1, com Alexander Semin assistindo Evgeni Malkin marcar o gol da vitória.

O melhor jogador do mundo na atualidade destruiu o último melhor jogador do mundo.

O Tcheco Maravilha, com toda a sua classe, deu a volta por cima nas entrevistas após o jogo, quando perguntado sobre o lance. Para Jagr, o problema foi perder o disco e sofrer o gol, minimizando o que foi o tranco.


O jogo que todos queriam ver
Em Vancouver, havia muita expectativa pelo possível confronto entre Canadá e Rússia na final dos Jogos Olímpicos, mas graças ao ridículo formato de disputa do torneio, canadenses e russos poderiam jamais se enfrentar, frustrando milhões de torcedores que aguardaram durante quatro anos pelo duelo das seleções favoritas à conquista da medalha de ouro.

No entanto, para o deleite dos apaixonados pelo esporte, o jogo mais esperado do ano aconteceu. Nas quartas-de-final, é verdade. Nada de final antecipada, porque a derrota diante dos Estados Unidos obrigou o Canadá a disputar um jogo eliminatório para se garantir na fase seguinte e mostrou que o país do hóquei não é imbatível nem mesmo em sua casa.

O grande jogo acabou praticamente antes mesmo de começar.

Os jogadores do time canadense entraram no gelo como se fossem os últimos 20 minutos da vida de cada um. Já os russos, como se fossem os primeiros 20 minutos da vida: seus jogadores não sabiam patinar, passar ou chutar.

Com menos de 13 minutos, o placar apontava 3-0 para o Canadá. Ao fim do primeiro período, já estava 4-1. Uma demonstração de superioridade absoluta.

"Obrigado por nada, [Evgeni] Nabokov," filosofou Eduardo Costa. O goleiro foi substituído após sofrer seis gols em 23 chutes.

O jogo terminou com o sonoro 7-3 a favor dos canadenses.


Politicagem detona uma das favoritas
Mais uma vez, pesou contra a Rússia a velha politicagem. A federação local pressionou a gerência do time a convocar jogadores da KHL, uma forma de demonstrar a força de sua própria liga, que almeja competir em importância com a NHL. Seria o mesmo que o presidente da CBF obrigar o treinador da Seleção Brasileira de futebol a escolher jogadores que atuam nos times locais em detrimento daqueles que defendem clubes europeus para provar que o Campeonato Brasileiro não perde em nada para outros campeonatos internacionais.

Assim, dos 20 patinadores da seleção russa, nove eram provenientes da KHL, incluindo o capitão do time, Alexei Morozov.

Ainda que não haja russos em abundância na NHL nos dias de hoje, pelo menos outros dois deveriam ter sido convocados, os atacantes Alexei Kovalev e Alexander Frolov. Eles não fazem grande temporada em seus times, mas têm vasta experiência internacional e, principalmente, estão acostumados a jogar o tipo de hóquei que predominaria em Vancouver.

No jogo contra o Canadá, os russos da NHL somaram dois gols, seis pontos e saldo -8, enquanto os russos da KHL compilaram um gol, dois pontos e -12.

Dois jogos antes, contra a Eslováquia, ainda na primeira fase, o treinador Vyacheslav Bykov escalou Morozov para chutar o primeiro pênalti da disputa. Não foi Alexander Ovechkin, nem Evgeni Malkin ou Ilya Kovalchuk, três dos melhores atacantes do mundo, ou ainda Pavel Datsyuk, um exímio cobrador de pênaltis.

A politicagem interferiu na escolha do time, na definição do capitão e até na ordem dos cobradores de pênaltis. Para completar, os russos comportaram-se em Vancouver como se ainda imperasse no mundo a Guerra Fria. Os jogadores falavam apenas com a imprensa de seu país e se fechavam ao restante do mundo. Uma burrice do tamanho do abismo que separa a KHL da NHL.


A grande final
Estados Unidos e Canadá se reencontraram na final do torneio. Clima de revanche para o Canadá, chance de fazer história para os EUA — mas 2010 não entraria para a galeria dos milagres, como a imprensa norte-americana se esforçava para vender.

Assim como no jogo contra a Eslováquia, nas semifinais, os canadenses dominaram no começo e foram dominados no fim.

Para premiar a atmosfera de final de Copa Stanley, nada melhor do que decidir a medalha de ouro na prorrogação, o desfecho ideal para uma partida e um campeonato de alto nível. Felizmente não tivemos a aberração chamada disputa de pênaltis.

Nos EUA, a final Olímpica foi o jogo de hóquei mais assistido nos últimos 30 anos, conquistando uma audiência superior à de todas as finais de beisebol desde 2004 e de todas as finais de bola-ao-cesto desde 1998. Exceção feita ao futebol americano, o jogo registrou a segunda maior audiência do ano para um evento esportivo.

No Canadá, os números são ainda mais impressionantes. A disputa da medalha de ouro alavancou a maior audiência da história da televisão canadense. Quase metade da população assistiu ao jogo inteiro, dois terços estavam assistindo quando Sidney Crosby marcou o gol da vitória e 80% da população assistiu ao jogo em algum momento. Impressionante.


Os melhores
A seleção do torneio consagrou, de fato, os nomes que mais se destacaram em Vancouver: Ryan Miller, Brian Rafalski, Shea Weber, Zach Parise, Jonathan Toews e Pavol Demitra.

Miller, o melhor goleiro e MVP do torneio, foi fundamental na campanha norte-americana. A medalha seria de lata, não de prata, se ele não estivesse no gol.

Rafalski, aclamado como o melhor defensor, foi destaque em grande parte por sua ofensividade, eminente na vitória contra o Canadá ainda na primeira fase. Defensivamente, não foi o melhor da posição.

Toews, capitão do Chicago Blackhawks, foi convocado para jogar na quarta linha. Ao longo do torneio, conquistou mais tempo de gelo e, na decisão da medalha de ouro, fez parte da principal linha defensiva do Canadá. Foi eleito o melhor atacante do torneio.

O norueguês Tore Vikingstad não tem apenas o nome mais fantástico das Olimpíadas. O atacante do Hanover Scorpions, da Alemanha, marcou quatro gols em Vancouver. Uma pena que, aos 34 anos de idade, suas chances de jogar na NHL sejam tão grandes quanto as minhas.


Sobre Sidney Crosby
Crosby não foi o melhor atacante das Olimpíadas, mas está longe de ser verdade que "ele não fez nada na competição".

No time canadense, ele foi o segundo em gols (quatro) e pontos (sete), liderando o time em chutes a gol (28) e tempo de gelo entre os atacantes (16:56 por jogo). Isso é muito mais do que "nada".

Foi Crosby quem marcou o gol da vitória contra a Suíça, ainda na primeira fase, na disputa de pênaltis de uma noite que virou pesadelo para os canadenses, e foram dele os gritos pedindo o disco para Jarome Iginla e o chute de ouro logo em seguida, que valeu o gol do título.

Se essa fosse a história de Zé Alvarenga, ele seria o maior ídolo da história do Canadá.

O problema é que se esperava muito mais daquele que deveria ser o melhor jogador do time. E ele não foi nem mesmo o melhor atacante do Canadá nos Jogos.

Mesmo assim, daqui a 20 anos, vão dizer que Crosby deu a medalha de ouro ao Canadá. E ninguém vai dizer que "não foi bem assim".


Sóchi, 2014
Sim, a NHL estará nos Jogos Olímpicos de Sóchi em 2014, por mais que Gary Bettman diga que não.

Negociador que é, Bettman usará as Olimpíadas como trunfo durante as negociações do novo acordo coletivo de trabalho com os jogadores.

"Eu dou a vocês as Olimpíadas, vocês me dão 10% de desconto," dirá ele.

Bettman sorri. Ninguém ganhou mais com o estrondoso sucesso do hóquei no gelo em Vancouver do que a própria NHL.

Humberto Fernandes assistiu a vários dos jogos de hóquei no gelo das Olimpíadas.

Vancouver2010.com
A Guerra Fria, que acabou há quase vinte anos, arruinou as pretensões da Rússia em Vancouver.
(24/02/2010)

Vancouver2010.com
Sidney Crosby não foi o melhor jogador, nem mesmo o melhor atacante, sequer o destaque do seu próprio time. Mas ele fez o gol da vitória.
(28/02/2010)

Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Página no Facebook | Contato
© 2002-10 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 5 de março de 2010.