Por: Thiago Leal

Acontecia o tempo todo. Acredito que muitos dos amigos colunistas e leitores tiveram o mesmo tipo de abordagem. No trabalho, na faculdade, a namorada, o pai, a irmã, os amigos... o tempo todo alguém vinha perguntar alguma coisa a respeito de hóquei no gelo a mim e comentar algum confronto que tinha visto na televisão, desde Estados Unidos e Canadá pela primeira fase até a finalíssima, entre as duas seleções.

As dúvidas variavam do mais lógico, coisas como regras, quais as melhores seleções, se era normal a Rússia tomar uma goleada do Canadá, quem deve ser campeão... ao mais insano, como quando acontecerá a Copa do Mundo, se a Seleção Brasileira disputou ou não as "eliminatórias" para os Jogos Olímpicos ou se é permitido um jogador entrar no rinque sem taco e ir apenas chutando o disco (sim, me perguntaram isso!).

Foi uma situação nova que não deve se repetir tão cedo, a menos que os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sóchi, na Rússia, sejam novamente transmitidos para o Brasil e nele tenhamos novamente jogadores da NHL disputando o torneio.

Pode parecer engraçado para mim ou para você, que é acostumado com hóquei no gelo, que acompanha há mais de dez anos, há mais de cinco anos ou mesmo há mais de um ano. Que assiste jogos da NHL pela web ou que assistia nas saudosas transmissões notívagas da ESPN. Para nós, as comparações do narrador da Record e da SporTV entre Sidney Crosby e Lionel Messi, Patrick Kane e Robinho, Wayne Gretzky e Pelé ou entre Mario Lemieux e Maradona poderiam soar absurdas. Comparar regras de hóquei com as de futebol e usar o velho esporte bretão o tempo todo para explicar o melhor esporte do mundo certamente era muito chato. E saber que você provavelmente entendia bem mais sobre aquele jogo de que as pessoas responsáveis pela produção, então, nem se fala.

Mas pare um pouco e pense como você enxergava o hóquei no gelo das primeiras vezes que teve contato com o esporte. Você sabia o que era icing? Shift? Sabia o que é um passe de duas linhas, congelar o disco, taco alto, roughing, slashing... sabia o que é um tranco, quais as posições do jogo? Sabia quem era Joe Sakic, Jaromir Jagr, Dominik Hasek, Pavel Bure e Slava Fetisov? O que o Philadelphia Flyers cedeu em troca de Eric Lindros, que recordes Patrick Roy bateu ou a importância de Steve Yzerman para o Detroit Red Wings?

Pouco a pouco, você teve que ser iniciado no esporte, o que é perfeitamente compreensível. Até hoje tem muita regra que pessoas que entendem do esporte não conhecem muito bem ou não tem certeza de como funciona. Aliás, isso acontece até no futebol, esporte que praticamente nascemos com ele. Ou você sabe o que é a regra dos seis segundos e notou que ela nunca é cumprida?

Só depois de alguns dias de transmissão, ouvindo alguns jogos pelo Terra.com.br (que deu um show de cobertura) e assistindo a maioria pelo SporTV e Record, me toquei que esta, provavelmente, é a primeira vez que hóquei no gelo é transmitido ao vivo pela televisão aberta brasileira. Quem tinha ESPN há seis anos conseguiu assistir alguma coisa com a voz inesquecível de André José Adler. Quem tinha SporTV há quatro anos, certamente pode ter visto alguma coisa dos Jogos Olímpicos de Turim em 2006 e corre o risco de ter desligado a TV achando que a Suíça é melhor que o Canadá e a Suécia é disparada a melhor seleção do mundo. Mas quem tem TV aberta, ou seja, a maioria da população brasileira, e nunca teve curiosidade de alugar/comprar um jogo de video game ou fuçar na Internet a respeito, não sabia absurdamente nada a respeito de hóquei. Como você vai explicar a uma pessoa dessas o que é icing?

O pouco que se divulgava abertamente sobre hóquei no Brasil era a "violência" do jogo. E nós ficávamos excluídos, como um bando de renegados viciados em alguma coisa ruim, à margem da sociedade.

Ter hóquei ao vivo na Record, então, foi um benefício. Principalmente porque foi nos Jogos Olímpicos, um jogo mais aberto, com menos brigas. Não que eu não goste delas. Eu adoro, principalmente quando envolve George Parros. Mas o esporte não pode ser conhecido no Brasil por causa disso, e um jogo "mais limpo" como a competição Olímpica só ajuda.

Sempre que se abria um portal de notícia, se via alguma notícia sobre hóquei. E não era "jogador quebra borda de vidro que cai sobre torcida" ou "goleiro tem garganta cortada por lâminas de patins", mas sim "Canadá conquista o ouro sobre os Estados Unidos" ou "Suécia é eliminada pela Eslováquia".

As comparações com futebol, por mais irritantes que parecessem, na verdade eram úteis a quem nunca havia assistido hóquei e tinha como referência apenas o futebol. Em Jogos Olímpicos (de Verão), até mesmo esportes mais conhecidos no país, como o basquete e o handebol, precisam de um especialista, geralmente ex-jogador, para explicar certas regras que a maioria do público não conhece.

Eu nunca imaginei que eu teria oportunidade de falar sobre hóquei como falo sobre futebol. Numa roda de amigos. Foi legal estar lendo um livro qualquer enquanto a aula não começava e ouvir que três caras de uma mesa um pouco na frente estavam surpresos em como a Eslováquia conseguiu perder o bronze para a Finlândia. Ou passar na cantina e ver pessoas que eu não conhecia comentarem umas com as outras que viram hóquei na TV e era um jogo "massa demais". Não que eu queira dizer que toda a população brasileira assistiu ao torneio de hóquei dos Jogos Olímpicos de Inverno — até porque a maioria das transmissões abertas concentraram-se na patinação artística e dança no gelo. Mas ao menos uma parte dela teve acesso pela primeira vez ao jogo de hóquei.

Não acredito que isso vá aumentar significativamente o número dos fãs do esporte no Brasil, ou que tenhamos um grande número de telespectadores interessados em hóquei. As transmissões da Record foram uma pequena mania durante aquele período em que aquelas competições exóticas iam ao ar. Na verdade, nem mesmo os esportes Olímpicos de verão "pegam" no Brasil. Ou você costuma ouvir conversas sobre as Seleções Brasileiras de Vôlei e Basquete normalmente? Comenta esgrima, natação e atletismo com alguém? Fala mais sobre o César Cielo ou sobre a convocação ou não do Ronaldinho Gaúcho? Se nem os esportes que são praticados no Brasil tornam-se populares, imagina aqueles que pertencem a uma outra cultura, que nada tem a ver com a nossa?

Por outro lado, aqui tem gente que já se interessou por hóquei vendo filme, jogo de video game... então dá para duvidar que tenhamos ganho pelo menos mais um fã do esporte no Brasil em decorrência dos Jogos Olímpicos? Em mais ou menos doze dias os Jogos Olímpicos de Inverno conseguiram democratizar o hóquei no gelo em território brasileiro. Para alguma coisa isso deve ter servido, nem que tenha sido, ao menos, para democratizar o esporte por um curto período de tempo. Já é alguma coisa, não? Quando tornar a acontecer, se tornar a acontecer, uma parcela do público já vai saber mais ou menos como é aquele jogo. Os que viram as transmissões de 2010 e passaram a se interessar pelo esporte, entrar no sítio da NHL, etc., então, já estarão familiarizados.

Além disso, a CBHG confirmou propostas para criação de um centro Olímpico de esportes de inverno, o que inclui a construção de um rinque de hóquei com dimensões reais. É o início de um sonho se tornando realidade?

Se nada disso acontecer, pelo menos, que tenhamos mais uma oportunidade de ver hóquei na televisão aberta daqui a quatro anos.

Thiago Leal odeia fazer artigo sem foto.
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Página publicada em 5 de março de 2010.