Por: Daniel Novais

Nos últimos meses, a KHL (Liga de Hóquei Continental, em tradução livre para o português) tornou-se tema popular em qualquer círculo ou fórum de discussão sobre hóquei no mundo. Inicialmente devido à troca de acusações sobre quebras de contrato, posteriormente com a triste morte do prospecto Alexei Cherepanov, previamente recrutado pelos Rangers, falecido numa triste coincidência de problemas de saúde não identificados com a falta de aparelhagem e precauções básicas no atendimento ao jogador pós-crise.

Hoje vamos nos ater ao primeiro tema. Para aqueles preguiçosos demais para olhar no Google e ler tudo o que já foi divulgado sobre o tema, segue abaixo um pequeno guia sobre o que é a KHL, especialmente sobre o que ela representa para a NHL e as conseqüências de sua existência.

O que é a KHL?

A KHL é a principal liga de hóquei do Leste Europeu e começou com o intuito de substituir a antiga Russian Supreme League. Com a entrada de Alexander Medvedev — CEO da Gazprom, maior companhia do ramo energético da Rússia, empresa já conhecida entre os fãs de futebol inglês e fanático por hóquei — como grande financiador, a liga foi capaz de viabilizar a sua expansão para englobar times de antigas repúblicas soviéticas — inicialmente, as únicas equipes adicionadas às 21 equipes russas foram o Dínamo Minsk da Bielorrússia, Dínamo Riga da Letônia e Barys Astana do Casaquistão. O plano, porém, é ainda mais ambicioso, conforme veremos abaixo.

Qual a proposta da KHL?

Ao longo de anos a fio a Rússia e a Europa como um todo observaram seus grandes talentos atravessarem o Oceano Atlântico antes mesmo que pudessem oferecer algum retorno para os seus times formadores e pudessem usufruir de todo o custo de produção e lapidação dos seus jogadores mais talentosos. Junta-se a isso o influxo de um volume financeiro jamais antes visto pelas equipes e finalmente os europeus têm condições de competir (quase) de igual para igual com a NHL. Dessa forma, o que a KHL se propõe a oferecer para o público local é um produto de qualidade superior, atraindo mais fãs para um mercado esportivo potencialmente muito maior do que o atual, tornando a liga lucrativa para seus sócios e donos das franquias.

De quebra, alguns russos podem voltar a investir parte do seu dinheiro de origem um pouco suspeita no seu país de origem, ao invés de transferirem tudo para o futebol inglês.

E quanto ao futuro da KHL?

A KHL planeja suplantar a CHL (Champions Hockey League), tornando-se a principal liga de h óquei em toda a Europa. Grandes equipes suecas, finlandesas, tchecas, ucranianas e austríacas já foram convidadas a participar da KHL. O desejo inicial é formar uma liga nos moldes da NHL para 2009-2010, com 30 times divididos em seis divisões e duas conferências. Com tantos times sendo convidados ou solicitando entrar na liga, podemos ver um inchaço ainda maior para a temporada de 2010-2011.

E, no fim das contas, o que tudo isso tem a ver com a nossa amada NHL?

Eu sei, essa é uma pergunta estúpida para a maioria dos leitores regulares da liga. Qualquer pessoa familiarizada com a situação ocorrida com Evgeni Malkin logo após o locaute ou que tenha se dado ao trabalho de ler as maiores novidades dos Blue Jackets ou Predators nessa pré-temporada está bem familiarizado sobre o pé de guerra em que as duas ligas se encontram atualmente.

Para resumir a situação para os leigos, entre os quais eu me incluo, é o seguinte. A NHL e as ligas européias sempre tiveram um acordo de transferência de jogadores. Ou seja, jogadores recrutados previamente por franquias da NHL ainda sob contrato poderiam abandonar seus times no período da pré-temporada da liga norte-americana desde que houvesse uma compensação financeira — de valor ridículo — para a equipe formadora do jogador.

Obviamente, a Rússia não estava satisfeita em perder seus jogadores a preço de banana e não concordou em renovar esse acordo. Dessa forma, o problema se iniciou quando Alexander Radulov, jogador russo que já atuava pelo Nashville Predators e possuía contrato para mais uma temporada em terras americanas, decidiu desobedecer seu contrato e assinar com a franquia russa Salavat Yulaev Ufa. Logicamente, a ação não passaria despercebida, gerando protestos por parte da franquia de Nashville e da NHL junto à Federação Internacional de Hóquei no Gelo (IIHF). Como no momento da assinatura do contrato não havia  acordo entre as ligas, a IIHF nada pôde fazer, a não ser recomendar que as ligas entrassem em acordo.

Dessa forma, continuamos até hoje a ver o êxodo de jogadores, especialmente russos que ainda não conseguiram espaço nas franquias da NHL, de volta para a sua terra natal. Somente na semana passada, o prospecto dos Canadiens Pavel Valentenko saiu da franquia afiliada dos Habs na AHL, o Hamilton Bulldogs, rumo ao Dynamo Moscow. Destino semelhante teria Alexander Nikulin, prospecto dos Senators que atuava pela franquia afiliada na AHL, o Binghamton Senators, já que o mesmo impôs uma data-limite para que os Sens o trocassem para outra franquia, ou voltaria para casa na segunda-Feira, dia 3. Por sorte, no mesmo dia, os Sens conseguiram trocá-lo com os Coyotes por um obscuro defensor da AHL, Drew Fata.

E agora? A KHL realmente representa um risco para a NHL?

Depende do que você chama de risco. Desde a imposição do teto salarial, há uma classe de jogadores com fama ou talento demais para ganhar como prospectos, mas não o suficiente para ganhar o que valem na liga. A maioria desses jogadores acaba condenada a receber menos em alguma franquia — ou podem rumar para a Rússia.

A maioria dos jogadores de NHL que se deslocou para lá seguem esse motivo. É o caso de Ladislav Nagy, Oleg Saprykin e até Jaromig Jagr — não que este não tenha talento suficiente para jogar na NHL, apenas não há ninguém disposto a pagar o que ele deseja pois este valor está bem acima do que ele realmente vale.

Dessa forma, dificilmente você verá os grandes talentos do hóquei no gelo se deslocarem para a Rússia no curto prazo. Afinal, estes ainda têm um excelente salário lhes sendo pago do outro lado do Oceano. Além disso, a KHL ainda não oferece aos seus jogadores os contratos de patrocínio, vida de estrela e luxos existentes na liga norte-americana — e pouco jogadores abririam mão disso por alguns milhares a mais.

Portanto, a menos que Medvedev e companhia decidam investir ainda mais pesado na liga, oferecendo salários muito mais altos do que os praticados na NHL, o que você pode esperar ver na KHL é prospectos com futuro na NHL — ou jogadores que tiveram a oportunidade de ter uma carreira lá, mas não foram bons o suficiente para se firmar.

Enquanto isso, a nata do hóquei continua em sua maioria desejosa para atuar na América do Norte. Vide o exemplo de Nikita Filatov, nos Blue Jackets.

E no longo prazo? O que a KHL representa para o hóquei?

A KHL pode ter dois rumos para o seu futuro:

I) Formar uma liga paralela à NHL e disputar na queda de braço os jogadores. Nesse caso, há o risco de inflação considerável nos preços dos contratos de jogadores no começo, havendo posteriormente o equilíbrio nos valores, para se adequar à realidade de cada região. Nesse caso, terá os melhores jogadores a liga que oferecer mais privilégios e dinheiro, o que vai estar diretamente ligado ao mercado consumidor e à economia local. No fim, acabaria sendo criada uma Copa dos Campeões, ou World Series para acomodar uma final entre o campeão de cada uma das ligas, funcionando como tira-teima.

II) Ser englobada ou aliar-se à NHL, criando uma Superliga. A NHL claramente já mostra seu interesse em agregar a Europa ao seu mercado consumidor, levando regularmente os jogos de início de temporada para o velho continente — Inglaterra, Suécia e República Tcheca já tiveram essa oportunidade, sendo em todos os casos um sucesso de público e mídia.

Algumas declarações de pessoas ligadas à liga já demonstram que, no longo prazo, a NHL pretende investir em franquias na Europa, apesar dessa informação continuar sendo negada por Bettman, que afirma que essa é uma possibilidade para "daqui a muitos anos". O que não quer dizer nada, na verdade. Ou alguém ainda confia em Bettman?

Daniel Novais declara que 100% — ou pelo menos 99% — do que está escrito acima trata-se de opinião pessoal, não condizendo necessariamente com o pensamento dos outros colunistas de TheSlot.com.br.
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Contato
© 2002-08 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 5 de novembro de 2008.