Por: Alexandre Giesbrecht

"O que [Sidney Crosby] tem de tão especial? Não vejo nada de especial nele. Sim, ele patina bem, tem uma boa cabeça, um bom passe. Mas não tem nada mais. Mesmo se o compararmos a Patrick Kane, do Chicago, que é um jogador muito mais interessante. O jeito como ele se mexe, suas habilidades de drible, sua visão do gelo e sua antecipação das jogadas são soberbos. Acho que, se você pegar qualquer jogador, mesmo se ele for uma 'mosca morta', e começar a promovê-lo, surgirá uma estrela. Especialmente se ele marcar cem pontos. Ninguém vai ligar para nenhum outro jogador. Ninguém vai ligar se ele tem ou não boa técnica. Digamos que você coloque alguém na frente do gol, deixe-o desviar o disco e ele marque 50 gols. Todo mundo vai dizer "Uau!" e aí ele vai ganhar um contrato de US$ 10 milhões por ano. É disso que gostam por aqui."

Quem lê tais palavras imediatamente lembra-se de comentários em um blog qualquer. Sabe quando o pessoal, protegido pelo anonimato, invade a página de comentários de blogs de jornalistas famosos para afirmar coisas absurdas como "Rogério Ceni é um goleiro medíocre que só tem destaque porque sabe jogar com os pés"? É o tipo de afirmação baseada pura e simplesmente em uma opinião pessoal influenciada por uma visão deturpada de outrém. "Se ele não joga no meu time, não pode abrir a boca. Se ele abre a boca, é para falar besteira. Se ele fala besteira, automaticamente é um mau jogador."

Pois bem, na semana passada vimos um comentário semelhante, reproduzido no primeiro parágrafo, que ganhou um bom destaque. É claro que o fato de o comentário não ter sido anônimo ajudou a levantar o assunto, mas mais importante foi quem abriu a boca para vomitar tais asneiras. Em primeiro lugar, foi um jogador. Em segundo lugar, um jogador de um time adversário. Ninguém menos que Alexander Semin, atual artilheiro dos Capitals.

Sou totalmente a favor da liberdade de expressão, por mais estúpidas que sejam as declarações — abram o noticiário político e entenderão o que eu quero dizer —, então longe de mim querer repreendê-lo pela declaração, ainda que eu continue achando-a a mais estúpida da temporada. Aliás, eu até acho-a interessante por um lado.

Intencionalmente ou não, ele abriu uma polêmica na América do Norte. E, para um esporte que tem carecido demais de espaço na mídia norte-americana, uma polêmica como essa chega quase a ser saudável. Não deu muito certo em nível nacional, mas gerou polêmica o bastante em Washington e em Pittsburgh, que têm uma rivalidade adormecida construída em confrontos nos playoffs.

Esse impacto é mínimo, mas já é mais do que ele poderia imaginar quando abriu a boca. Sim, a frase de abertura do parágrafo anterior foi mais uma política de boa vizinhança que qualquer outra coisa. Não acredito que ele sequer imaginasse que uma história escrita em russo para um jornal russo (Sovetsky Sport) fosse ter impacto algum do outro lado do globo. Então inocentemente ele viu as sinapses entre os sete neurônios que estavam funcionando no momento e as palavras pareceram, se não inteligentes, ao menos publicáveis.

Impossível não comparar tais declarações a uma tatuagem feita quando o tatuado está com altas dosagens alcoólicas: arrependimento certo, e o de Semin ficou evidente quando Tarik El-Baashir, jornalista que cobre os Capitals para o jornal Washington Post, perguntou a ele se queria falar do assunto. Ele deu um sorrisinho, disse não e foi embora.

Até os buracos no asfalto de São Paulo sabem que Crosby é o foco principal do marketing da NHL, que, com pelo menos duas décadas de atraso, resolveu tratar suas estrelas com um maior destaque, da mesma maneira que outras ligas de sucesso nos Estados Unidos fazem. O que as pessoas parecem não perceber é que isso não tem nada a ver com Crosby.

"A vida dele e de seus colegas de time seria muito menos complicada se a liga tratasse Crosby como mais um rosto na multidão", opina Dave Molinari, que cobre os Penguins para o jornal Pittsburgh Post-Gazette. "Mas isso seria, claro, um erro grosseiro de estratégia de marketing por parte da NHL, o que não seria exatamente uma novidade para ela."

Molinari ainda lembra que a média de pontos de Crosby na NHL (1,37 por jogo) é quase o dobro da de Semin (0,76). Semin também não chega perto de seu colega de time Alexander Ovechkin (1,25). Ovechkin, por sua vez, preferiu nem tomar parte na polêmica.

"Não vi nada e não ouvi nada", disse o russo, rindo. "Talvez ele não tenha dito nada disso. Talvez a tradução não tenha sido boa." Se há alguém que poderia avaliar a qualidade da tradução seria ele, fluente nas duas línguas. Só o fato de ele se calar sobre o assunto já diz muita coisa.

Crosby, artilheiro e MVP da temporada de 2006-07 — talvez por influência do marketing? —, também preferiu se calar diante da polêmica, uma decisão acertada para ele, mas que certamente decepcionou quem queria ver mais lenha na fogueira.

"Eu vi [as declarações]", disse Crosby. "Mas acho que é melhor eu guardar minha opinião para mim mesmo. Ele pode falar o que quiser, mas eu vou me abster de dar minha opinião sobre ele." Sobre ele como pessoa, bem entendido. Sobre o jogador Semin, Crosby pôde elogiar: "Acho que ele é um bom jogador. Ele tem mãos excelentes."

O central dos Penguins sabe que esta não é a primeira nem a última vez que surgem críticas a ele e só se incomoda com uma coisa: "O ruim é que sempre que alguém fala alguma coisa de mim eu tenho de responder alguma coisa."

É o problema do marketing. Ainda que não seja escolha dele.

Alexandre Giesbrecht, 32 anos, recebeu parabéns pelo aniversário de um mês do seu filho, vindos da boca do presidente do Pittsburgh Pirates.
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Página publicada em 6 de novembro de 2008.