Por: Eduardo Costa

Não é um disparate considerar o mundial sub-20 um torneio mais excitante do que a competição que envolve atletas adultos. O Mundial absoluto é disputado paralelamente aos playoffs da copa Stanley, o que tira boa parcela dos grandes jogadores de hóquei do mundo das listas de convocáveis. Sem esquecer, é claro, que muitos dos que poderiam participar, preferem algum paraíso tropical para aliviar as mazelas de mais uma extenuante temporada a representar sua nação.

Já o sub-20 conta com a nata das três ligas juniores canadenses e também com os melhores jovens talentos do Velho Continente. E no meio da temporada, o que significa, quase sempre, atletas no melhor da forma física e técnica.

Para acrescentar ainda mais importância, o Canadá organizou, pela oitava vez oficialmente e nona no geral, a competição, o que dava a certeza de casa cheia no Ottawa Civic Center e no Scotiabank Place, respectivamente antiga e atual casa dos Senators na NHL. Os 453.282 ingressos vendidos ultrapassaram a marca obtida em Vancouver há três anos. Milhões também acompanharam o desenrolar do 33.º Mundial sub-20 pelas telas da TSN, garantindo um invejável retorno à emissora canadense.

Muito desse público observava em que nível estavam alguns atletas já vinculados aos times da NHL, mas a maioria buscava, assim como centenas de olheiros, respostas sobre os melhores prospectos disponíveis para o próximo recrutamento. Em especial o duelo entre o defensor sueco Victor Hedman e o central canadense John Tavares, que dividem opiniões dos caça talentos sobre qual deles será o primeiro a ser escolhido em junho próximo, em Montréal.

O roteiro favoreceu e suecos e canadenses chegaram a finalíssima. Infelizmente um dos protagonistas, no caso Hedman, não pode apresentar seu melhor.

O jogador do MODO Hockey ainda se recupera de uma contusão no ombro e não pôde usar uma de suas principais características, a forca física. Mesmo assim vimos um patinador bem acima da média, que sabe carregar o disco, que tem alcance ímpar e grande senso de colocação. Mas sem a confiança para brigar nas bordas, se viu ofuscado por outro defensor de sua seleção, Erik Karlsson, que "se mostrou" para seu futuro público. O prospecto dos Senators foi um dos linhas azuis mais produtivos da competição.

Com valores como Karlsson e o atacante Magnus Svensson-Paajarvi, a Suécia vem acabando com a fama de ir mal nas competições de base. Após 11 longos anos a seleção das três coroas voltou ao pódio ao chegar até a final na edição 2008, realizada na República Tcheca. Na oportunidade o ouro escapou na prorrogação frente aos canadenses. A derrota não foi muito bem digerida e muitos atletas suecos prometiam melhor desempenho caso reencontrassem os canadenses em um duelo eliminatório.

Ficou na promessa.

Os canadenses não correram riscos na decisão. Os comandados pelo veteraníssimo Pat Quinn conquistaram o quinto título consecutivo com muita propriedade.

Desde os segundos iniciais, quando o promissor defensor Pernell Karl Subban abriu a conta, até os instantes derradeiros, quando, com a meta sueca já vazia, o central Cody Hodgson fechou a fatura em 5-1, os canadenses estiveram sempre perto do título. O mediano goleiro Dustin Tokarski, ao contrário das partidas anteriores, teve uma sólida atuação durante os 60 minutos. Os suecos chutaram mais, mas cada oportunidade canadense apresentava uma cota maior de perigo.

O arqueiro Jacob Markström também não comprometeu. Como dois dos cinco tentos canadenses foram marcados em rede vazia, ele manteve uma excelente média de gols sofridos na competição. O único ponto negativo foi o comportamento futebolístico do jovem. Ao menor contato com algum atleta canadense, o prospecto do Florida Panthers desabava com uma facilidade impressionante.

Embora todos os holofotes estivessem em Tavares, a final nos deu uma mostra de polivalência, liderança e habilidade do prospecto do Vancouver Canucks, Hodgson. Foi um monstro na equipe de desvantagem numérica. Quando Canadá é quem tinha patinadores a mais, também foi importante. Seus três pontos contra os suecos lhe renderam a artilharia da competição. Outro que teve grande atuação na decisão foi Angelo Esposito. O segundo gol canadense no prélio foi uma pintura assinado pelo garoto dos Thrashers.

Se a final não foi a guerra que se esperava, a semifinal entre Canadá e Rússia entrou para a história da competição como um de seus jogos mais dramáticos. Honrou a velha rivalidade entre as duas nações mais prolíferas do hóquei.

A Rússia teve como comandante fora do gelo Sergei Nemchinov, que como jogador venceu a Copa Stanley pelos Rangers e pelos Devils. Sua passagem pelas seleções de base vinham sendo marcadas por derrotas acachapantes. Pelo menos nesse Mundial ele ganhou um pouco de crédito ao apostar nas peças certas. Deu protagonismo para Nikita Filatov e montou uma bela defesa, onde se destacou Maxim Goncharov, prospecto do Phoenix Coyotes, dono de um chute mortal e de força intimidadora.

Por pouco os comandados de Nemchinov não alcançaram o Olimpo. Após sempre dar volta no placar adverso e ter sobrevivido bem ao festival de penalidades pró-Canadá — que chegou a ter sete vantagens numéricas consecutivas durante o jogo —, a Rússia voltou a perder uma jogo importante em seus instantes finais.

O abarratado Scotiabank Place emudeceu quando Dmitri Klapov fez 5-4 para os russos quando restavam menos de três minutos para o encerramento. Meses antes a seleção adulta havia perdido para a Rússia em Québec, agora os russos estavam perto de estragar a festa dos anfitriões novamente. Alex Pietrangelo e Subban, outrora decisivos, cometeram todos os erros possíveis até então.

Míseros cinco segundos restavam no placar quando Dmitri Kulikov inexplicavelmente tentou neutralizar o disco com o joelho. Jordan Eberle, que estava no gelo justamente pelo faro apurado de gol, foi gélido o bastante para bater o goleiro russo e abrir caminho para a vitória na decisão por pênaltis, onde o algoz Eberle, novamente, vazou Vadim Zhelobnyuk.

Uma partida que conseguiu ultrapassar em drama ao confronto da primeira fase entre canadenses e estadunidenses. Outro jogo que merece parágrafos à parte.

É palpável a inimizade entre ianques e canadenses no hóquei de base. Pela quantidade de provocações e cizânias é sem dúvida um jogo de risco. E assim foi o encontro entre ambos na véspera do ano novo, que decidia quem seria o primeiro de seu grupo. Os americanos abriram uma tenra vantagem de 3-0. Logo após marcar o primeiro, Kevin Shattenkirk passou provocador em frente ao banco canadense. O mesmo aconteceria após os tentos de Jimmy Hayes e Jim O'Brian. Provocações também entre as comissões técnicas e uma torcida enfurecida com a arbitragem criavam um clima pesado em Ottawa.

Foi durante essa guerra que o luso-canadense Tavares fez sua melhor partida na competição. A nova jóia do hóquei chamou a responsabilidade e em menos de dois minutos marcou duas vezes, incendiando a arena. Criando seu próprio espaço, lendo e se antecipando às jogadas dos ianques, ele certamente provocou sonhos molhados entre os torcedores dos Islanders, Thrashers e alguns outros.

Eberle empataria ainda no período inicial, desestabilizando os Estados Unidos, que viraram uma presa fácil no restante do embate.

A derrota pegou tão forte o elenco ianque que contribuiu para que a maior surpresa da competição fizesse sua vítima mais ilustre. A Eslováquia, que já havia deixado os finlandeses de fora do mata-mata, contou com maior exibição individual do torneio para eliminar os EUA nas quartas-de-final.

Jaroslav Janus deteve 44 de 47 chutes, alguns deles de muita qualidade. O atleta, ignorado no último recrutamento, praticamente garantiu uma melhor sorte no próximo ao eliminar uma seleção forte, com atletas experimentados, como Colin Wilson e James Van Riemsdyk. Janus claramente venceu o duelo contra um vacilante Thomas McCollum. O goleiro, prospecto dos Red Wings, terminou a competição com cotação baixa.

Outro eslovaco que ganhou notoriedade foi Tomas Tatar. O arisco atacante já fazia parte do campo de visão dos olheiros do Detroit Red Wings, mas seu grande controle de disco, solidez defensiva e chute acurado podem fazer com que alguma equipe, com uma escolha mais alta, recrute Tatar antes que os Red Wings coloquem as mãos nele.

Na contra-mão da Eslováquia — quarta colocada final, após perder o bronze para os russos — tivemos o Cazaquistão. Na verdade não esperávamos grandes coisas por parte dos cazaques, mas a participação dos asiáticos foi digna de uma nação que está iniciando no hóquei — que, definitivamente, não é o caso deles. Em quatro jogos marcaram apenas dois tentos e sofreram 47. Logo na estréia um desalentador 0-9 para a Alemanha. Se os germânicos fizeram esse estrago, o que aconteceria quando os adversários fossem Tavares e cia? A resposta foi um faraônico 15-0. Os americanos tiraram sua casquinha com um 12-0. Os tchecos foram piedosos, não apenas pararam após marcarem o décimo gol, ainda no segundo período, como foram vazados duas vezes.

Destaques, surpresas e fracassos. Como em todos os mundiais sub-20.

Logo após Thomas Hickey levantar a taça, os canadenses já se pensam em um sexto título consecutivo. E largam em vantagem já que será novamente realizado em seu solo, nas cidades de Saskatoon e Regina, na província de Saskatchewan.

Eduardo Costa coloca os confrontos do Canadá contra os Estados Unidos e contra a Rússia entre os dez melhores jogos que viu nessa temporada.
Tom Hanson/CP
O luso-canadense John Tavares festeja. O Canadá venceu as cinco últimas edições do Mundial sub-20.
Getty Images
Karl Magnus Svensson Pääjärvi. Nome tão grande quanto sua habilidade. Um dos destaques da Suécia, que chegou invicta até a finalíssima.
Blair Gable/Reuters
Que jogo! Jordan Eberle vence Vadim Zhelobnyuk e força a prorrogação quando restavam apenas cinco segundos. A Rússia esteve perto da final, mas teve que se contentar com o bronze.
Arquivo TheSlot.com.br
Martin Stajnoch, Marek Daloga e Tomas Tatar celebram. A Eslováquia foi a revelação.
Sean Kilpatric/CP
Já os ianques foram a decepção do torneio. Aqui James van Riemsdyk e Mitch Wahl tentam acreditar que foram eliminados pela Eslováquia.
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Página publicada em 14 de janeiro de 2009.