Por: Alessander Laurentino

Nessa semana não apenas o mundo do hóquei foi abalado por uma triste notícia, mas o mundo inteiro realmente ficou chocado com a morte do jovem jogador russo Alexei Cherepanov, durante uma partida realizada na região de Moscou, na Rússia.

Muito tem-se especulado sobre o que teria acontecido, mas pouco se sabe sobre o que realmente aconteceu com o jovem prospecto, outrora selecionado no recrutamento de 2007 pelo New York Rangers.

Algumas páginas chegaram a relatar que Cherepanov havia sofrido um impacto pouco antes de entrar em colapso e cair inconsciente, o que levou a imprensa a noticiar que sua morte provavelmente teria sido decorrente de uma alteração do ritmo cardíaco por distúrbio elétrico decorrente de traumatismos fechados, como uma colisão, por exemplo. Entretanto, a notícia foi desmentida na terça-feira mesmo, e vídeos pela internet mostraram que tal colisão nunca houve de fato.

Até o momento ninguém pôde afirmar com certeza o que teria acontecido para vitimar fatalmente a jovem promessa russa aos 19 anos de idade. Um relato oficial da KHL, a Continental Hockey League, informa como causa da morte de Cherepanov "falência cardíaca aguda", mas sem maiores detalhes.

Na verdade a única afirmação de certeza que pode ser feita é que Alexei Cherepanov foi vítima de morte súbita.

E o que seria morte súbita e qual a sua causa? A morte súbita pode ser decorrente de uma série de doenças, a maioria de ocorrência muito limitada, pouco comum ou mesmo raras em pessoas na idade de Cherapanov. A maioria dessas doenças está relacionada ao coração; algumas delas ocorrendo sem diagnóstico anterior de sua existência.

A morte súbita é um grave problema de saúde pública mundial e necessita de pronto atendimento às vítimas no intuito de diminuir a sua mortalidade e melhorar as chances de sobrevivência das pessoas afetadas. Dados da literatura médica internacional estimam que em cidades onde o acesso a aparelhos como desfibriladores ocorre em até sete minutos depois do início do evento, as chances de sobrevivência do paciente são de cerca de 50%, de uma forma geral e sem especificação da causa básica.

Em adultos, a principal causa de morte súbita é a doença arterial coronariana, tendo como mecanismo deflagrador da parada cardíaca a fibrilação ventricular. Junto com a fibrilação ventricular existe a taquicardia ventricular, e ambas, somadas, correspondem a cerca de 80% dos casos de morte súbita. Vale ressaltar ainda que a imensa maioria dos casos de taquicardia ventricular acabam degenerando para fibrilação ventricular.

O problema no caso de Alexei Cherepanov é que a doença arterial coronariana é rara em jovens e geralmente está relacionada com pessoas tabagistas, que apresentam atividade física limitada sendo consideradas sedentárias, distúrbios do colesterol, sobrepeso ou obesidade entre outras características. Existe uma forma pouco freqüente de doença coronariana de rápida progressão em jovens, mas a doença arterial coronariana geralmente dá sinais de sua existência, como episódios de angina (a famosa dor no peito), mal estar e desconforto respiratório, e pode ser diagnosticada com exames como o eletrocardiograma, ecocardiograma ou exames mais elaborados como cintilografia miocárdica ou cateterismo das coronárias.

É muito pouco provável que um atleta de 19 anos possuísse alguma forma de doença coronariana grave e não fosse diagnosticado clinicamente, até porque supõe-se que exames médicos são feitos rotineiramente em atletas antes das temporadas das ligas e times como o New York Rangers dificilmente ofereceriam e assinariam contratos com jogadores sem a realização de quaisquer exames, tornando seu investimento de altíssimo risco.

Mas, então, o que poderia acontecer em pessoas jovens que causaria a morte súbita? Uma explicação seria a liberação de adrenalina durante a prática esportiva estando associada à existência de alguma anomalia cardíaca ou ao uso indevido de drogas como cocaína e heroína. Isso poderia ser a causa de um distúrbio do ritmo cardíaco, como a fibrilação ventricular, que levaria à parada cardíaca e à morte.

Nos casos de parada cardíaca, o uso do desfibrilador para tentar restabelecer o ritmo cardíaco através de choque elétrico é fundamental. A cada minuto perdido a chance de sobrevivência de uma pessoa acometida desse mal diminui de 7% a 10%! Dessa forma, o tempo é essencial no atendimento dessas pessoas, de maneira que depois de 10 ou 12 minutos de parada cardíaca a sobrevida é de menos de 10%.

Além das alterações cardíacas em ritmo de fibrilação ou taquicardia ventricular sem pulso ainda existem outras duas formas que são encontradas com alguma freqüência significativa.

Podemos citar a parada cardíaca em que existe uma atividade elétrica do coração porém sem pulso presente no paciente. É a chamada AESP (atividade elétrica sem pulso), se caracterizando por um ritmo elétrico em que o paciente normalmente deveria apresentar um pulso palpável. Entretanto, comumente há algum fator que impede a atividade elétrica organizada do coração de gerar uma contração muscular miocárdica efetiva. Nesses casos, jamais o paciente deve ser tratado com o choque elétrico por desfibrilador. O uso do desfibrilador aqui teria grande chance de condenar o tratamento desse paciente ao fracasso.

A AESP possui seu tratamento focado em identificar a causa do seu aparecimento, e entre elas podemos citar o traumatismo de tórax gerando uma situação conhecida como aumento da tensão dentro do tórax (pneumotórax hipertensivo), trombose de coronária e tromboembolismo pulmonar, entre outras.

Finalmente, existe a pior de todas paradas cardíacas, que é aquela que acontece em assistolia, onde há ausência total de atividade elétrica do coração. São poucos os casos tratados com sucesso quando se apresentam nessa condição.

Como já sabemos que não havia desfibrilador nem monitores cardíacos no momento da parada cardíaca sofrida pelo jovem jogador russo, agora é praticamente impossível determinar o que aconteceu com ele, a não ser que o seu corpo seja submetido a um exame de investigação e tentativa de determinação da causa da morte, exame esse conhecido como autópsia.

Muito provavelmente jamais saberemos o que realmente aconteceu com Alexei Cherepanov, ficando as muitas dúvidas e a certeza que os times e jogadores precisam ser mais cautelosos nos exames realizados antes de assinar contratos e liberar seus jogadores para atuar em ligas desgastantes mundo afora.

Fica também a expectativa que os organizadores e gerentes de times e ligas tenham um pouco mais de atenção em relação aos cuidados básicos de prevenção, como a existência de pessoal médico treinado, habilitado e capaz em suas arenas, assim como a existência de material como os desfibriladores.

Parece até absurdo ter que lembrar a obrigatoriedade de existir pelo menos uma ambulância de prontidão em eventos desse porte, mas, pelo que soubemos da Rússia, infelizmente coisas básicas ainda precisam ser lembradas.

Alessander Laurentino é colunista de TheSlot.com.br e no tempo vago atua como médico plantonista e cirurgião vascular.
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Página publicada em 15 de outubro de 2008.