Por: Eduardo Costa

Um misto de incredulidade, tristeza e revolta. A vida de Alexei Cherepanov começou a se extinguir em uma arena de hóquei de uma pequena cidade da região metropolitana moscovita. Tão inesperada quando seus movimentos no gelo, a notícia de sua morte atravessou fronteiras, emudecendo a milhares.

O modesto Vityaz, em sua igualmente simplória arena, recebia o milionário elenco do Avangard Omsk. As presenças de Jaromir Jagr e Cherepanov na pequena cidade de Chekhov, onde os únicos passatempos são o Vityaz e uma equipe de handebol, convocou um bom público. Para aquelas pessoas era um acontecimento. Para o resto da KHL, era um encontro sem muita transcendência, mas que acabou sendo testemunha de uma das páginas mais tristes do hóquei russo.

Uma crônica normal destacaria a vitória de 5-4 dos anfitriões. Mas isso tem uma importância infinitamente inferior aos trágicos eventos que se iniciaram quando o placar eletrônico nos informava 17:35 minutos dentro do período final. As raras imagens disponíveis, feitas amadoristicamente — o jogo não foi televisionado —, quando somadas aos relatos dos atletas e torcedores, fazem com que a consternação se some à indignação.

Jagr, ídolo e mentor do jovem de apenas 19 anos, conversa com Cherepanov, quando este desaba inconsciente no banco do time. As primeiras novas que chegaram à imprensa falavam sobre uma colisão entre Alexei e um companheiro de time — até mesmo uma cotovelada não proposital de Jagr numa troca de linhas. Mas nada disso aconteceu. Ele simplesmente desabou, segundos após patinar, sem atritos maiores, em seu último turno.

É constatado que o coração do camisa 7 parou. Massagem cardíaca é feita. O doutor tenta, inutilmente, cloreto de amônia. O desespero é a óbvia conseqüência. Os atletas chamam por ele. Berram "Lyoshka" — um apelido comum às pessoas que se chamam Alexei — tentando reanimar o atleta. Até que, estirado no banco, ele retorna à consciência algumas vezes. Por breves períodos. Até que mergulha no abismo.

Impossível não se lembrar do tcheco Jiri Fischer, também sem histórico de complicações cardíacas, que escapou com vida após seu coração parar de bater por alguns eternos segundos no banco dos Red Wings em 2005. Lá havia um desfibrilador. Lá havia uma ambulância. Lá havia a estrutura adequada.

Por incrível que pareça, a KHL, que nasceu tendo como um dos objetivos se tornar uma rival da NHL, não se preocupou em cobrar de um de seus times — provavelmente de nenhum deles —, condições mínimas para um atendimento emergencial em casos assim.

A ambulância havia deixado o Ice Hockey Center no meio do jogo. O desfibrilador demorou a chegar e, quando entrou em cena, estava descarregado, gerando a raiva de um atleta que chamou aquele lugar de "Vila do Mal" aos berros. Cherepanov teve que ser tirado do banco nos braços dos companheiros. Sequer uma maca? Negligência em seu estado mais brutalmente infeliz.

Quase 20 minutos depois de desabar, Cherepanov foi levado para o hospital local, deixando para trás atletas ainda uniformizados em estado de choque, alguns aos prantos. Como Jagr, com a cabeça contra a parede, esperando por um milagre que nunca viria. Um pesadelo inimaginável. Havia poucas horas Cherepanov marcava um gol. Agora lutava por sua vida.

Na UTI várias tentativas de ressuscitar o jogador foram feitas. O eletrocardiograma mostrava apenas o pior. Até que tudo acabou tragicamente para um dos mais talentosos jogadores do hóquei russo dos últimos anos.

A notícia chegou como uma bomba ao ônibus do Avangard, onde o elenco esperava pelos boletins. No melhor estilo eslavo, muito pouco saiu da boca dos atletas e da direção do time até agora. Uma dor que está sendo vivida de forma bem íntima.

O mundo do hóquei jamais saberá o tamanho dessa perda. Aqui mesmo em TheSlot.com.br alardeamos as marcas de Cherepanov. De sua primeira temporada na Superliga russa, quando bateu o recorde de gols anotados por um novato, que pertencia a ninguém menos que Pavel Bure, fazendo com que ganhasse um apelido para competir com "Foguete Russo". Assim, ele virou o "Expresso da Sibéria", em alusão a sua cidade natal Barnaul, uma das mais antigas da porção siberiana da Rússia.

Sua capacidade de improvisação e seu estilo explosivo logo chamaram a atenção de olheiros da NHL. As muitas convocações para as seleções de base da Rússia contribuíram para que ele se tornasse um dos mais conhecidos prospectos do mundo.

Mesmo sendo bem pago e respeitado em Omsk, onde defendia o rubro-negro Avangard, clube que já pertenceu ao bilionário Roman Abramovich e hoje é financiado pela companhia petrolífera Sibneft, nunca escondeu de ninguém que sonhava em brilhar na NHL. Seu sorriso, quando foi escolhido na 17.ª posição geral do recrutamento de 2007, não deixou margens para dúvidas. Ao vestir a camisa do New York Rangers, parecia questão de tempo para seu sonho se tornar realidade.

Ter sobrado após 16 escolhas foi a maior surpresa daquele evento. As incertezas de um acordo de transferência entre a NHL e Federação Russa de hóquei, aliadas aos relatórios que apontavam Cherepanov como um atleta preguiçoso e de gênio difícil, fizeram a alegria do torcedor dos Rangers. Se os times que deixaram o russo escapar não acreditavam no potencial do garoto, esse era um problema deles; os nova-iorquinos sabiam dos riscos, mas também sabiam do que o novato era capaz. Uma aposta das mais felizes. Naquele momento.

Ele fazia grande temporada na primeira edição da KHL, uma liga de placares baixos, onde já havia somado 13 pontos em 15 jogos. Com oito tentos, o último deles, como já dito antes, anotado poucas horas antes de seu falecimento. Hoje seu nome ganha a companhia de termos médicos, como isquemia crônica, que segundo especialistas pode ter sido o que causou a morte do jovem. Se isso for a verdade, mais perguntas virão à tona. Os testes feitos pela NHL durante a semana do recrutamento nada mostraram. Os médicos do Avangard também nada detectaram. No estilo russo, isso tem tudo para se tornar uma longa novela.

A morte de Cherepanov também deve se tornar um trágico empurrão no amadorismo que envolve os "bastidores" da liga russa. O maior azar de Alexei nesse caso foi o fato de ele ter sido o atleta que "chamou" a atenção da KHL.

Um preço demasiado caro.

Na edição anterior desta publicação, há um parágrafo em que afirmo: "Há menos de duas semanas o Magnitka foi goleado (6-0) pelo Avangard Omsk, onde, curiosamente, brilham o passado (Jaromir Jagr) e, provavelmente, o futuro (Aleksei Cherepanov) dos Rangers". Infelizmente, esse futuro jamais chegará.

Eduardo Costa é colunista de TheSlot.com.br.
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Página publicada em 15 de outubro de 2008.