Por: Alexandre Giesbrecht

Se você espera uma coluna falando de hóquei, é melhor clicar nos links ao lado, porque o que tenho para dizer não tem nada a ver com o esporte. Ou melhor, até tem, porque o hóquei é um dos esportes mais humanos da face da terra, e este texto tem a ver justamente com isso. O fato de ele tratar de Luc Bourdon também pode dar algum alento a quem queira lê-lo.

Quem viu a homenagem que os Canucks fizeram a Bourdon pode imaginar do que estou falando. É claro que toda a cerimônia teve o dedo do departamento de marketing do clube, mas certas coisas não podem nem devem se limitar ao lado financeiro. A coisa foi tão emocionante que é impossível imaginar que as pessoas que estiveram envolvidas na organização do evento não estavam profundamente tocadas pelo acontecimento.

Os próprios jogadores, aqueles que mais conviveram com Bourdon — embora não tenham convivido tanto assim, já que a carreira do jovem defensor ficou limitada a 36 jogos na NHL —, provavelmente jogaram com mais vontade ainda, o que ajuda a explicar os sonoros 6-0 que aplicaram sobre os Flames, isso depois de serem dominados no começo do jogo. Alex Burrows, por exemplo, apontou para o céu em homenagem ao falecido companheiro ao marcar seu primeiro gol no jogo. No dia seguinte, o jornal local The Province estampou em manchete: "A vitória teria deixado Bourdon orgulhoso."

Na mesma noite, os Canucks inauguraram um memorial dedicado a Bourdon, emoldurado por dezenas de discos, homenagem que sua mãe garantiu que o teria tocado no coranção. Além dos discos emoldurando o painel, há seis discos em destaque que ilustram a caminhada do defensor até a NHL: Miramichi Rivermen, Val D'Or Foreurs, Moncton Wildcats, Cape Breton Screaming Eagles, juniores da seleção canadense e Manitoba Moose. Os torcedores receberam ainda pins com as letras LB.

O que os torcedores de Vancouver puderam presenciar na última quinta-feira foi um momento em que o hóquei no gelo mostrou mais uma vez seu lado humano. O esporte profissional em que talvez se veja menos "prima donas" costuma ter esse apreço por seus devotos. Exemplos não faltam.

A morte de Bill Masterton, em decorrência de uma hemorragia cerebral depois de bater a cabeça no gelo, acabou por ser determinante em convencer vários jogadores a usar capacetes e, onze anos depois, o equipamento tornar-se-ia obrigatório na NHL, que ainda fez dele o patrono de seu troféu anual por perseverança. Tente lembrar-se de outra liga que dá um troféu a tal virtude.

Já Michel Brière, promissor como Bourdon, não provocou com sua morte, em 1971, mudanças tão radicais, mas seu número 21 está pendurado no alto da Mellon Arena, estádio dos Penguins, e foi o único número que o time de Pittsburgh aposentou até Mario Lemieux pendurar os patins pela primeira vez. Até hoje, só o 66 de Lemieux está ao lado do 21.

Assim como Brière, Pelle Lindbergh, dos Flyers, morreu 14 anos depois, em decorrência de ferimentos sofridos em um acidente automobilístico. Dois meses depois, ele seria o primeiro jogador eleito postumamente para o Jogo das Estrelas. O time não chegou a aposentar seu número 31, mas jogador algum voltou a usá-lo na Filadélfia. Os Flyers ainda criaram um prêmio que leva o nome do goleiro sueco e é dado anualmente ao jogador que melhorou mais no time.

Quem conhece essas histórias — e outras, como a de Georges Vézina, que dá nome ao Troféu Vézina — não deve ter se surpreendido com a calorosa recepção dada à família de Bourdon. Há quem ache desnecessário fazer a família reviver o sofrimento em um evento desses, mas eu encaro de outra maneira: eles devem, sim, estar orgulhosos pela memória de seu filho e irmão ser enaltecida dessa maneira. Tristeza e alegria confundiram-se por alguns instantes. A dor estaria lá de qualquer jeito; com a cerimônia, houve ao menos algum alento.

Foi mais uma prova de como um esporte que ao olho incauto pode parecer violento tem, na verdade, uma alma que transcende o que de melhor tem o ser humano a oferecer. Que sirva de exemplo, no esporte e fora dele.

Alexandre Giesbrecht, 32 anos, adora bater fotos de seu filho recém-nascido.

Jon Murray/The Province
A "Parede dos Sonhos", memorial de Luc Bourdon, fica agora no GM Place, e a mãe do falecido jogador, Suzanne Boucher, e a namorada dele, Charlene Ward, estiveram presentes à inauguração.
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Página publicada em 15 de outubro de 2008.