Por: Thiago Leal

Um filminho infantil de gosto duvidoso, um desenho infantil de gosto duvidoso, uma marca com uma máscara antigona de goleiro em forma de cabeça de pato que mais parecia símbolo de parque infantil e um japonês "baixinho". The Mighty Ducks of Anaheim era isso. Até 2003, quando algo diferente aconteceu. De uma hora para outra, aquele timinho de desenho animado eliminou o poderoso Detroit Red Wings, defensor do título da Copa Stanley, numa varrida inacreditável na primeira fase dos playoffs. Dali, o time arrancou para eliminar o também favorito Dallas Stars e ganhar o Troféu Clarence Campbell sobre um igualmente surpreendente Minnesota Wild.

...

Esta história não terminou. O time que protagonizava um enredo de cinema acabou perdendo a Copa Stanley para o New Jersey Devils. E no final das contas, tudo se resumiu ao homem que mais chorou a derrota, Jean-Sébastien Giguère. Ele foi o responsável por tudo até ali. Nem o Troféu Conn Smythe de melhor jogador da pós-temporada foi suficiente para animar Jiggy, que preferia mil vezes ter erguido a Copa Stanley. Com sua barba imensa, Giguere tornou-se um símbolo do Anaheim Ducks.

Mas Jiggy não repetia mais aquela mágica. Em 2006, com o time já pertencendo a novos donos e sob nova gerência, Ilya Bryzgalov foi o responsável por mais uma atuação surpreendente dos Ducks nos playoffs. Em 2007, com novo nome (Anaheim Ducks) e nova atmosfera, os Ducks foram campeões com Giguere como titular, atuando maior parte da temporada regular e dos playoffs. Mas dividiu papel com Bryzgalov, que foi trocado após o campeonato. Não tardou para que o novo reserva, Jonas Hiller, brilhasse em um momento decisivo e se tornasse a nova sombra de Giguere. Até que chegamos a um momento em que Hiller atuava mais, tanto em quantidade quanto em qualidade. E Giguere tornou-se uma dor de cabeça, com seu alto salário, os problemas pessoais que prejudicavam suas atuações, mas com as lembranças de 2003 e 2007. Não se pode ser ingrato com um ídolo, e hoje o Anaheim Ducks, de Henry e Susan Samueli, é uma franquia com essa consciência.

A única forma de haver um desligamento de Giguere e seu alto salário com o Anaheim Ducks, então, seria uma troca que fosse boa o bastante para ambas as partes. Eis que surge a oportunidade com o Toronto Maple Leafs, que manda para o Anaheim o goleiro Vesa Toskala e o atacante Jason Blake em troca de Giguere.

Os Ducks têm Hiller no gol. E agora têm um reserva competente, Toskala, além de um veterano para as linhas de baixo e poucos minutos de gelo na noite — embora isso tenha significado o afastamento de Dan Sexton, ainda que temporário. Já os Leafs, que há muito não têm um bom goleiro, agora têm a oportunidade de recuperar Giguere, que novamente trabalhará para Brian Burke.

...

Saindo um pouco da análise fria dos fatos, os Ducks perdem, junto com Giguere, parte de sua história. A franquia publicou uma breve nota de agradecimento a Giguere que bem que poderia ser mais calorosa:

Gostaríamos de agradecer sinceramente a Jean-Sebastien Giguere pela classe, dignidade e profissionalismo que ele mostrou dentro e fora dos rinques durante nove memoráveis temporadas com os Ducks.

Entre as incontáveis memórias estão um Troféu Conn Smythe em 2003, uma Copa Stanley em 2007 e um número de recordes de goleiro na franquia.

Boa sorte em Toronto, Jiggy.

Sinceramente,
Anaheim Ducks


Só isso? Poderia ter sido um pouco mais longa ou mais melosa, não acham? Giguere não foi apenas parte do Anaheim Ducks por nove temporadas. Ele foi o Mighty Ducks of Anaheim/Anaheim Ducks na mais importante delas, a de 2003. Se não fosse Giguere, bem que os Ducks poderiam ser até hoje um timinho relegado ao gueto da NHL. Mas em 2003, o goleiro foi responsável por um quase milagre, ao fechar o gol e garantir a vitória dos Ducks contra Red Wings, Stars e Wild. Naqueles playoffs Giguere chegou a lembrar gente como Dominik Hasek e Mike Richter. Se não fosse 2003, talvez nada disso tivesse existido — nem 2006, nem 2007, nem 2009.

Talvez a importância de Giguere só seja assimilada um pouco depois, mas o franco-canadense foi o responsável pela mudança histórica que ocorreu na franquia. Não é um título que faz diferença na história de um time, ou mesmo alcançar as finais da Copa Stanley. Florida Panthers chegou à finalíssima em 1996 e depois voltou a ser um time a mais na NHL. Tampa Bay Lightning, com todo respeito a seus fãs, não engrenou como todos acreditariam após a conquista da Copa Stanley de 2004. Não estou tentando utilizar as duas equipes da Flórida como um mau exemplo. Apenas tento explicar que a final, ou o título, por si só, não representa tanto quanto aparenta. Giguere em 2003 foi o início de uma história que se repetiu em 2006, com os Ducks surpreendendo Flames e Avalanche, e em 2009, com os Ducks surpreendendo os Sharks e dando o maior sufoco ao Detroit Red Wings. Os Ducks ganharam uma alma de time perigoso, que pode aprontar para cima de qualquer adversário. Um time surgido há 17 anos que tinha como sua principal característica ser propriedade da Disney virou uma franquia de respeito, uma história que começou com Giguere.

Era óbvio que essa história já estava cansada. Torcedores estadunidenses com quem tenho algum contato se queixavam de Giguere todo jogo que o franco-canadense atuava. Não se pode questionar ou subestimar as razões pelas quais Giguere vinha atuando mal. Principalmente se era algum problema pessoal, algo na vida particular do goleiro que lhe incomodava. Se Giguere foi homem para vir trabalhar mesmo nessas condições, é preciso ser homem para reconhecer seu esforço. Mas isso não anula o fato de que Hiller crescia no gol e, pelo bem da lenda, um afastamento de Giguere seria muito mais saudável para os Ducks e para ele próprio. É diferente, bem diferente, da forma como Patrick Roy, seu ídolo de infância, deixou o Montreal Canadiens, mas o significado é mais ou menos o mesmo.

E se o desligamento de Roy com os Canadiens, mesmo ocorrido de uma maneira pouco amistosa, não foi suficiente para afastar a gratidão da franquia pelo antigo ídolo, com certeza o fim deste casamento entre Ducks e Giguere permitirá uma reconciliação no futuro, ainda que não dentro do rinque. É a certeza de que os Ducks sempre serão gratos a Jean-Sebastien por tudo que fez pela equipe. Suas defesas, shutouts, campanhas de pós-temporada e aparições fora dos rinques.

Em Toronto, o goleiro estará mais perto de casa e de sua família. Quem sabe novos ares não lhe tranquilizem e o ajudem a recuperar a velha forma. Qualquer torcedor dos Ducks que se preze deve torcer para que isso aconteça.

Boa sorte, Jiggy.

Thiago Leal só tem a agradecer a Jean-Sebastien Giguere.
Arquivo TheSlot.com.br
Em 2003, com o Troféu Conn Smythe após jornada heróica nos playoffs.
(09/06/2003)

Arquivo TheSlot.com.br
Em 2007, comemorando a Copa Stanley com o filho recém nascido Maxime-Oliver.
(06/06/2007)

Abelimages/Getty Images
Em 2010, estreando com shutout pelos Leafs, ainda com os Ducks na cabeça.
(02/02/2010)
Edição Atual | Edições anteriores | Sobre TheSlot.com.br | Comunidade no Orkut | Página no Facebook | Contato
© 2002-10 TheSlot.com.br. Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução do conteúdo escrito, desde que citados autor e fonte.
Página publicada em 4 de fevereiro de 2010.