Por: Eduardo Costa

Metallurg Magnitogorsk

Tempos difíceis viveu o Metallurg ao final da temporada 2005-06. Após fazer a melhor campanha de toda competição, o clube acabou eliminado pelo rival Avangard Omsk, nas semifinais. Pouco depois, viria o trágico — para o Magnitka, é claro — desfecho do caso Evgeny Malkin. A equipe da cidade do aço russa acabou perdendo seu melhor atleta para a cidade do aço americana, Pittsburgh. Sem essa peça, as chances de conquistar o terceiro título russo do clube ficaram bem reduzidas.

Além de Malkin, outros dois jogadores importantes também rumaram para a América. O segundo central do time, Aleksei Kaigorodov, assinou com o Ottawa Senators. Pelo menos foi assinada uma cláusula que exigia que o atleta fosse devolvido ao Magnitka, caso o time da capital canadense não utilizasse Kaigorodov na NHL. Já Stanislav Chistov retornou ao Anaheim Ducks.

Para suprir essas ausências, Metallurg foi à República Tcheca buscar Jan Marek. Melhor escolha não poderia ter sido feita. O atacante foi o principal destaque do Sparta de Praga na Extraliga 2005-06, onde acabou campeão e artilheiro. Marek formaria um grande duo com seu compatriota Jaroslav Kudrna.

Se o clube perdeu sua maior peça ofensiva, pelo menos lá atrás conseguiu manter o goleiro Travis Scott. Nas duas últimas temporadas russas, o ex-goleiro dos Los Angeles Kings — apenas uma partida na NHL — foi o melhor em sua posição. Sua média de gols sofridos por partida em 2005-6 (1,22) foi considerada absurda até mesmo pelo mítico arqueiro russo, Vladislav Tretiak.

Scott manteve a boa nessa temporada, mas o resto do time não acompanhou seu goleiro nas primeiras rodadas. O Metallurg apresentou um hóquei pouco inspirado e, após uma série de péssimos resultados medíocres, o treinador canadense Dave King foi demitido. O passional Fedor Kanareikin assumiu o comando.

Essa mudança no banco foi o divisor de águas do time de Magnitogorsk, que rapidamente voltou aos postos mais destacados da tabela. A chegada de Kanareikin coincidiu com o início da boa seqüência de partidas pontuando de Nikolai Kulemin — prospecto do Toronto Maple Leafs. O novato de 20 anos encontrou seu lugar na primeira linha do time, junto aos tchecos Marek e Kudrna.

Essa melhora, no entanto, foi suficiente apenas para a quarta colocação geral ao término da temporada regular, tendo somado 17 pontos a menos do que o Ak Bars kazan.

Muitos tinham a certeza que o Ak Bars seria bicampeão nessa temporada. O time fez jus a esse favoritismo ao demolir o HPK Hämeenlinna na final da Copa dos Campeões da Europa no último mês de janeiro. Na liga russa esse domínio ficou traduzido através uma campanha de 35 vitórias e 214 gols em 54 partidas.

O tricolor do Tartaristão teve como principal atrativo sua super-unidade, composta pelos defensores Vitali Proshkin e Ilya Nikulin, e os atacantes Danis Zaripov, Sergei Zinoviev e Aleksei Morozov. A química entre eles foi tão perfeita que o treinador da seleção russa, Vyacheslav Bykov, acabou convocando todos os cinco para o mundial, mantendo essa mesma formação durante a competição.

Morozov foi o maior pontuador da temporada com 83 unidades — 18 a mais do que o segundo colocado, Albert Leshchev, do Khimik Mytischy —, estabelecendo um novo recorde na competição. Zaripov e Zinoviev também figuraram na lista dos dez que mais somaram pontos.

O Avangard Omsk, equipe do bilionário Roman Abramovich, veio a seguir na tabela. Entre os destaques individuais do rubro-negro podemos citar Aleksei Cherepanov. Em uma liga de placares baixos, Cherepanov, com seus 18 gols, acabou sendo eleito por unanimidade o melhor novato da temporada — o atleta de 18 anos há pouco foi selecionado pelo New York Rangers. Em terceiro lugar ficou o surpreendente Salavat Yulaev Ufa, do veterano Dmitri Zatonsky.

Na extremidade inferior da tabela, vimos o tradicional Krylia Sovietov, da grande Moscou, fazer uma campanha pífia, que lhe garantiu a queda para a Vysshaya Liga — divisão de acesso — com rodadas de antecedência. O outro relegado foi o Amur Khabarovsk. Representante mais isolado da Superliga — Khabarovsk fica na costa leste, bem próximo à fronteira com a China —, o Amur, mesmo com o baixo aproveitamento, foi a única equipe que contou com casa cheia durante todas suas partidas na Superliga.

A jovem equipe do Traktor Chelyabinsk, que voltou a disputar principal competição do país após quase uma década na segunda divisão, salvou-se por muito pouco. Com isso a região de Oblast de Chelyabinsk mantém-se com duas equipes na Superliga — a outra é o Metallurg Magnitogorsk.

Para finalizar o assunto temporada regular, lembramos que a liga foi disputada por 19 equipes devido ao afastamento do Spartak Moscou. Time quatro vezes campeão nacional, e dono de uma das maiores torcidas do país, Spartak foi vítima do caos financeiro por que os clubes moscovitas de hóquei vêm atravessando. Ainda não é sabido se a equipe voltará a disputar a competição em sua versão 2007-08.

Playoffs

Não é complicado garantir uma vaga na pós-temporada russa. Dos 19 times, 16 conseguiram. Difícil é derrubar quem possui o mando de gelo. Todos os oito times de melhor campanha eliminaram seus oponentes nas oitavas-de-final. Seis dessas séries (melhor de cinco) terminaram em varridas. A única que apresentou fortes emoções foi o embate entre Khimik Mytischy e Severstal Cherepovets, onde o time da região metropolitana de Moscou precisou do quinto jogo para eliminar o Severstal — com grande atuação do goleiro Vitaly Kolesnik no 1-0 decisivo.

Vale citar que o Magnitka contava novamente com Aleksei Kaigorodov para a disputa da pós-temporada — os Senators utilizaram muito pouco o atleta na NHL e, após mostrar o caminho da AHL para o russo, o Metallurg e o Kaigorodov fizeram valer o acordo já mencionado acima. Posteriormente o atleta seria negociado para os Coyotes, mas, quando isso aconteceu, ele já se encontrava em ação na Superliga. Com ajuda desse reforço, o time eliminou facilmente o HC MVD Moscow.

Nas quartas-de-final, o Metallurg obteve um grande aproveitamento de suas equipes especiais no duelo contra Sibir Novosibirsk. A equipe siberiana acabou varrida, mas vendeu caro as três derrotas. Na mesma fase, o Ak Bars teve mais dificuldade contra o Khimik. Mas o choque entre os artilheiros Morozov e Albert Leshchev acabou sendo melhor para o ex-Penguins, com sua equipe seguindo adiante com 3-1 na série. Mesmo resultado obtido pelo Avangard contra o Lokomotiv Yaroslavl.

Já o CSKA, maior clube da história do hóquei europeu, surpreendeu os favoritos do Salavat Yulaev Ufa ao final de cinco partidas. Vale lembrar que o time da capital é treinado pelo mesmo condutor do selecionado russo, Vyacheslav Bykov. Após passar pelo Ufa, o CSKA pararia no Ak Bars Kazan, nas semifinais, quando, mais uma vez, a força da equipe do Tartaristão fez-se sentir quando a linha de Morozov estava no gelo.

A outra semifinal reuniu Avangard Omsk e Metallurg Magnitogorsk. Como citei no início desta resenha, o rubro-negro de Omsk foi o responsável pela trágica eliminação, também numa semifinal, do esquadrão de Malkin & cia. em 2006. Novamente o favorito cairia, só que dessa vez esse favorito era o Avangard Omsk. Com sua equipe de desvantagem numérica afiada, e com boa contribuição dos veteranos Ravil Gusmanov e Igor Korolev, Metallurg deu o troco daquela inesperada desclassificação.

Teríamos então duas equipes que ganharam força no hóquei russo após a queda do regime comunista - que, entre tantas coisas, também causou a descentralização esportiva no país — nas finais.

O Metallurg Magnitogorsk tem sua história intimamente ligada ao hóquei cazaque. Esse país possuía dois times na elite do hóquei soviético mas, quando o regime ruiu e os cazaques ganharam sua própria liga, muitos atletas fugiram da pouca competitividade do tenro torneio, migrando para a equipe russa mais próxima que estivesse disposta a recebê-los. No caso, o Magnitka. Foi com jogadores como os irmãos Koreshkov que o clube sagrou-se bicampeão europeu, venceu duas Superligas e uma Copa da Rússia, no início deste milênio. Aos poucos o clube também passou a produzir seus próprios craques, como Malkin, Kulemin e Razin, para citar alguns.

Já o Ak Bars é um dos orgulhos da República do Tartaristão. Após anos na penúria o time viu sua história mudar com o dinheiro de fortes empresas tártaras. Como a Tatneft, — grande companhia petrolífera - que, além ter construído uma bela e modera arena para o Ak Bars, não se incomoda em abrir a carteira para contratar gente como Mika Noronen, Jan Novak e Aleksei Morozov. Nessa era de prosperidade, o time venceu o campeonato russo duas vezes, além da conquista da última Copa dos Campeões da Europa.

Apesar do amplo favoritismo do Ak Bars, foi o Metallurg Magnitogorsk que começou a disputa com destreza. Toda a equipe apresentou um grande hóquei. O único vacilo talvez tenha sido o excesso de penalidades cometidas. O Ak Bars aproveitou duas dessas vantagens numéricas, mas nas outras situações de jogo, o Metallurg sobrou. Quando todos falavam que a linha 1 do time de Kazan seria o destaque, quem apareceu mesmo foi o trio Kulemin, Kudrna e Marek, que combinou cinco pontos. A vitória de 5-2 em plena Tatneft Arena foi o início sonhado pelo Magnitka.

A partida seguinte foi amplamente dominada pelo Ak Bars, e esse domínio só se traduziu em gols quando Zaripov resolveu aparecer. O atacante marcou um raríssimo hat-trick em um jogo de final de Superliga. Placar final de 5-1 e série empatada.

A vitória no jogo 2 voltou a fazer com que a imprensa desse ao time tártaro o rótulo de favorito. Mas a nova arena de Magnitogorsk viu mesmo o poder de destruição do chute do defensor Evgeni Varlamov. Ele não deu chances a Noronen e foi o autor dos dois gols que deram uma vantagem que não foi desperdiçada pelo Magnitka. Novamente o time da cidade do aço estava na frente na série.

Jogo 4 em Magnitogorsk. Uma vitória e a Superliga seria pela terceira vez do time da casa. O cazaque Denis Platonov dá suporte a essa idéia, e faz 1-0 em situação de VN. Mas o carrasco Zaripov mais uma vez apareceria para roubar as ilusões dos locais. Primeiro ele serviu Pervyshin, que empatou, e depois marcou duas vezes, ambas sem assistentes. Gols que abriram uma vantagem de 3-1 na partida. Como esses tentos chegavam a cinco o n.º de gols marcados por ele nessas finais. O Metallurg ainda buscou reagir, mas Scott não estava em um de suas grandes noites. Kazan venceu por 4-3 e iria agora decidir o título em casa.

O dia 13 de Abril de 2007 seria uma data para ser lembrada por muito tempo por uma das duas torcidas. Por falar nelas, cerca de dois mil seguidores do Metallurg se espremeram em um pequeno espaço da Tatneft Arena. A bela casa do Ak Bars, situada às margens do rio Voga, era um mar de bandeiras verdes, vermelhas e brancas. A festa estava preparada para o bicampeonato.

O primeiro período foi marcado por penalidades estúpidas — quase todas bem distantes da meta a ser defendida. Cada time teve uma vantagem numérica de dois homens. Com Gusmanov e Kulemin no banco de castigo, o Ak Bars exigiu três intervenções arrojadas de Scott. O grito ficou preso na garganta de todo o Tartaristão.

Agora a chance é do Metallurg. Zinoviev e Novak estão fora. O time trabalha muito bem o disco, desnorteando Noronen, que pensa que Evgeni Varlamov vai soltar o braço, mas ele só passa para seu companheiro de linha azul, Vitali Atyushov, que não desperdiça. Metallurg na frente. E o período poderia ter terminado com uma vantagem maior, se uma boa jogada de Varlamov terminasse na rede, e não trave do goleiro finlandês do Ak Bars.

Compreensivelmente, o dono da casa passa o segundo período atrás do empate, que é negado várias vezes por Travis Scott. Esse período acaba com a frustração estampada no rosto de Morozov e cia. E preocupação do lado dos visitantes, devido a apenas dois chutes na meta de Noronen.

Os 20 minutos finais foram impróprios para corações fracos. A necessidade do empate fez com que o time de Kazan descuidasse da defesa. Mesmo com espaço, o ataque do Metallurg não incomodava. Kaigorodov e Kulemin estavam apagados e Aleksei Tertyshny errou todos os passes que tentou dar.

Apesar da aridez ofensiva, o tempo estava do lado do Metallurg, bastava jogar com esperteza. Mas Evgeni Varlamov, herói no primeiro gol, tornou-se o vilão após enganchar um adversário em uma jogada sem transcendência. Ilya Nikulin, principal defensor do time, é sempre um perigo em situações de VN. Conhecido pelo chute colocado e potente, ele mandou um de seus chutes mais defensáveis, mas Travis Scott, o melhor goleiro da Superliga, o arqueiro das defesas impossíveis, aceitou. O disco passou por entre suas pernas e morreu manso no fundo da rede. A Tatneft Arena veio abaixo com o tento do empate. Tudo isso quando faltavam apenas dez minutos para o término da partida. O momento era todo do Ak Bars.

Mas o hóquei é um esporte inigualável e imprevisível. Enquanto o time e a torcida ainda festejavam o empate, o gênio Jan Marek decidiu a Superliga.

Jan Novak era um dos defensores do Slavia Praha que sofreram com Marek, então no Sparta Praha, nas finais da Extraliga tcheca em 2006. Naquela oportunidade Marek levou a melhor. Pouco mais de um minuto após o gol de Nikulin, o disco sobrou livre para Marek. Novak e seus companheiros pareciam distraídos com o barulho que vinha da tributa. O tcheco patinou com o disco em sua posse por quase meio gelo e soltou a bomba. Gol! Incrível, pouco tempo após o empate agônico, Metallurg voltava a colocar uma mão na taça.

O Ak Bars volta à carga total. Pressiona e busca espaços para testar Scott, mas a defesa dos visitantes se posiciona perfeitamente. Com dois minutos para o término, Varlamov, novamente, vai para o banco de castigo após acertar Zinoviev. Segundos depois a meta está vazia. O suspense da partida mantém a torcida de pé, porém calada. Esse barulho só é quebrado quando a sirene anuncia o final de uma das séries mais espetaculares no hóquei russo.

Fedor Kanareikin, o treinador, se ajoelha e beija o gelo. Denis Platonov, após disputar toda a temporada e ter ficado fora do jogo 5 devido a uma contusão, chora. Marek e Jaroslav Kudrna enrolam-se em uma bandeira tcheca. Nas tribunas uma minoria canta os louros de uma vitória épica. Metallurg Magnitogorsk é o campeão russo de 2007.

E, no meio dos festejos, os atletas lembram que esse título é só o começo de um projeto bem maior. O time acabara de tirar a Superliga das mãos do Ak Bars, agora é esperar janeiro chegar e ocupar o lugar, hoje ocupado pelo time tártaro, de campeão da Europa.

Elenco campeão

Goleiro: Travis Scott e Anton Khudobin.

Defensores: Evgeny Varlamov, Vitaly Atyushov, Aleksandr Seluyanov, Vladimir Malenkykh, Evgeny Biryukov, Vyacheslav Zavalnyuk, Rinat Ibragimov, Vladislav Bulin e Anton Poleschuk.

Atacantes: Jan Marek, Nikolai Kulemin, Aleksei Kaigorodov, Jaroslav Kudrna, Denis Platonov, Igor Korolev, Evgeny Gladskikh, Ravil Gusmanov, Eduard Kudermetov, Anton Glovatsky, Ruslan Nurtdinov, Aleksei Tertyshny, Maksim Mamin, Igor Velichkin e Dmitri Pestunov.

Eduardo Costa assistiu, inúmeras vezes, ao jogo 5 das finais da Superliga.
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Página publicada em 4 de julho de 2007.